Tradutor

sexta-feira, 26 de junho de 2015

AMOR À VERDADE...

Todos têm direito a manifestar e se expressar. Aliás, o direito de expressão é sagrado, expressão, desde que não fira os direitos alheios. Deixem-me, por favor, me expressar então. Sem nenhuma pretensão particular ou específica, mas objetiva, para dizer o que penso. Ah! Só penso no bem de todos. Creiam-me...

AMOR À VERDADE

 No centro estava a imagem de José, o pai adotivo de Jesus e, ao seu lado, diversas outras imagens de santos e santas. Homens e mulheres que escolheram para si o estado matrimonial, ou seja, escolheram o casamento como estado de vida. Foram exemplares em suas vidas, modelos de santidade, mas também modelos de cidadãos, expressivos e expressivas com uma exuberante consciência de cidadania.
 À noite, enquanto dormiam todos, escutava-se um diálogo cujas vozes vinham não se sabe de que direção. Mas, pouco a pouco, descobriu-se que vinha da gruta construída por um zeloso sacerdote. Não tinha ele muita paciência para fixar-se em uma comunidade, vivia passando de cidades em cidades e onde fosse possível construía uma gruta, em geral, sempre dedicada à Virgem Maria e nunca deixava de pregar o Evangelho a quem o escutava.
 Ao longo de uma rodovia moderníssima, de quatro pistas, aquele sacerdote conseguiu autorização do órgão estatal competente e que administrava a referida autoestrada, para também ali, bem próximo de uma cidadezinha, edificada num vale, entre duas montanhas, construir uma gruta que chamasse atenção de todos que por ali transitassem.
 Nesta gruta, terminada a sua edificação, à noite, sem iluminação, ali não existia rede elétrica, de repente, depois de alguns dias haver depositado a imagem da Virgem Maria, notaram que outras imagens foram também depositadas. O povo do país muito religioso; muitas pessoas levavam imagens de outros santos e santas para aquela gruta, geralmente, como cumprimento de uma promessa. Dentre elas, levaram uma de São José, o pai adotivo de Jesus, outra de Santa Rita de Cássia e, poucos dias depois, apareceu mais uma, de uma santa pouco conhecida: Santa Maria da Encarnação. Esta se casara e tivera seis filhos. Sofreu tribulações e aflição e o marido fora exilado, os bens confiscados injustamente.
 Sabe-se que tanto São José como a Virgem Maria foram pessoas cumpridoras de seus deveres e muito silenciosas. Os Evangelhos deixam transparecer que pouco falavam. Maria muito pouco e José, quase nada.
 As vozes que vinham desta gruta, à noite, enquanto todos dormiam, nada mais eram do que uma reunião em que São José resolveu coordenar. Estavam muito preocupados com os rumos do mundo neste início de Século XXI. As instituições todas em crise, o Norte do Globo cada vez mais rico e os países subdesenvolvidos cada vez mais pobres e em dificuldades financeiras, as concepções éticas e morais cada vez mais deterioradas, muitos escândalos e o graçamento cada vez mais galopante de corrupção marcada por um cinismo sempre mais desenfreado, a família e o casamento em crise, manifestada esta última, particularmente, pela falta de compromisso dos homens e mulheres deste mundo, no Século XXI.
 Como José, homem sábio e justo, sempre foi de pouco falar, embora tivesse o que dizer de muito importante, mas na qualidade de coordenador, deixou que os outros presentes falassem por primeiro ou dessem algum conselho para os habitantes da Terra. A Santa, pouco conhecida e falada, tomou a palavra e disse, aconselhando aos esposos e filhos: “Seria tão bom se os pais retomassem a educação dos filhos no amor à verdade...”. De repente a Santa silenciou. É que chegara um devoto à gruta, já era de madrugada. E São José, disse baixinho: “Não faz mal, amanhã, ou qualquer dia, voltamos à reunião e continuamos para ajudar aqui na Terra os nossos devotos”. É que não queriam que vissem imagens falando. Poderiam ficar assustados. Eis, pois!

terça-feira, 23 de junho de 2015

AMOR OU FANTASMAS?


            O célebre pensador e escritor Jankélévitch[i], em suas meditações sobre o amor, certa feita assim exprimiu: “Para amar é preciso ser, mas para ser é preciso, antes de tudo, amar: pois quem não ama é um simples fantasma”.
            Diria que as ligações entre as pessoas se tornam pobres e empobrecidas quando as convenções e a superficialidade dos contatos estabelecem relações impessoais e impedem o autêntico encontro amoroso.
            Até parece ideia fixa falar amiúde de amor. Mas, como dele não falar, do fio condutor de toda a relação do casamento? Neste sentido, amor, obviamente, será fonte e matéria de constante debate, reflexão e escrita. Haverá sempre um discurso sobre o amor. Encontro que faz na intersubjetividade, na relação com o ser amado.
            O amor é um convite para sair de si mesmo. Concentrado em si mesmo, o ser humano se obstaculiza e se torna incapaz de ouvir o apelo do ser amado, ou de quem pensa amar. E a busca do outro somente para satisfação própria, torna-se impedimento para o encontro verdadeiro. Este pensamento faz lembrar a lenda de Narciso que, ao apaixonar-se por si próprio, esquecendo-se de se alimentar, tão envolvido que esteve com a própria imagem inatingível, morre, porque torna impossível a intersubjetividade, a relação e vínculo fecundo com o ser amado.
            Na intersubjetividade impossível, relação fecunda de encontro, o ser humano, centrado em si mesmo, jamais realizará um encontro de amor, porque amar é desejar o anseio do outro.
            A vida requer riscos, mas calculados e garantidos. Fechado em si, o ser humano, na misteriosa arte de amar, sem desejar o anseio do outro, só encontrará fantasmas. Estes são próprios do mundo ideal, inexistente, presente somente na cabeça de quem sofre incapacidade de ver e ler a realidade com objetividade. O mundo dos fantasmas, ilusório e misterioso, faz o ser humano recair no vazio do amor. Amor estéril, que impede verdadeiro encontro. Fantasmas só prestam para raiar e arranhar a existência, como é próprio das vicissitudes negativas da vida.        
Com o ideal de uma intersubjetividade, ou seja, elação que possibilite sempre verdadeiro encontro, no casamento deve persistir a fé que faz remover montanhas. Acrescente-se, também, a necessidade de um clamor como de Sara, depois de ser tomada como esposa por Tobias: “Tende piedade de nós, Senhor, e fazei que cheguemos a uma ditosa velhice” (Tobias 8,10). Sem fantasmas. Eis, pois!
______________________________
Vladimir Jankélévitch (31 de agosto 1903 em Bourges - 6 junho 1985, em Paris). Jankélévitch era filho de pais russos, que haviam emigrado para França. In 1922, he started studying philosophy at the École normale supérieure in Paris, under Professor Bergson. Em 1922 ele começou a estudar filosofia na École normale supérieure em Paris, sob Professor Bergson. From 1927 to 1932, he taught at the Institut Français in Prague, where he wrote his doctorate on Schelling. De 1927 a 1932 ele ensinou no Institut Français de Praga, onde escreveu seu doutoramento sobre Schelling. He returned to France in 1933, where he taught at the Lycée du Parc in Lyon and at many universities, including Toulouse und Lille. Ele retornou à França em 1933, onde ele ensinou no Lycée du Parc, em Lyon e em muitas universidades, incluindo Toulouse und Lille. In 1939 he joined the French Resistance. Em 1939, começou a trabalhar na Resistência Francesa. After the war, in 1951, he was appointed to the chair of Moral Philosophy at the Sorbonne, where he taught until 1978. Depois da guerra, em 1951, ele foi nomeado para a cadeira de Moral Filosofia na Sorbonne, onde ele ensinou até 1978. A citação é extraída da obra do autor: Traité des vertus, do ano de 1936.




sexta-feira, 19 de junho de 2015

AMIGOS FILHOS



            O casamento transfere aos cônjuges uma série de direitos e correspondentes deveres, próprios do estado matrimonial. Dentre direitos que adquirem os pais, um deles sobressai em fase mais amadurecida da constância matrimonial, o direito e o dever da educação específica aos filhos, que deixam de ser crianças e entram em fase de autoafirmação e de novas descobertas.
            Chegados aos doze anos de idade, de modo geral, vem a adolescência até os dezoito ou dezenove anos, mais ou menos, não há como se estabelecer uma idade absolutamente limite, pois já o sabemos: cada ser humano é único e irrepetível. Fase de maturação física.
            No rapaz aparecem os pelos, mudança da voz, certo desajeitamento dos movimentos.
            Na mocinha aparecem as formas do corpo, sobressaem os seios e chega a menstruação.
            Para um e para a outra, fenômeno absolutamente normal e natural. Além disso, uma descoberta mais acentuada do amor e a atração física por pessoas do sexo oposto.
            Nesta idade, a adolescência, em ambos há um acentuado descontrole emocional, fruto da mesma idade e fase. E a ciência moderna descobriu, há poucos anos, que tal descontrole é consequência de um desequilíbrio hormonal. Certa glândula secretora de hormônio responsável pelo equilíbrio emocional, ora segrega em menor quantidade, ora deixa de fazê-lo intermitentemente o necessário e na medida para agir sobre o psiquismo, promovendo o desequilíbrio emocional. Nada de anormal.
            A adolescência deve possibilitar a continuidade do processo formativo da personalidade do indivíduo, a educação. Por isso, também e mais que necessário se faz que os pais imponham limites, nos quais se diz sim e não, para pôr o adolescente na condição de ir aprendendo a decidir, mas também sabedor de que não pode tudo.
            Ainda hoje se discute o que fazer com a rebeldia e a irreverência típica dos adolescentes. Para a idade deles, trata-se de um fenômeno que, na forma como acontece ou do modo como o fazem, por certo, deve ser encarado como anormal. Anormal, porque se tudo se permite é sinal que algo esteja faltando no processo educativo: a imposição de limites.
            A adolescência deve ser encarada como uma fase admiravelmente importante e mais bela da vida do indivíduo que deve ser compreendido. E todo esforço possível não será em vão para entender o adolescente em seus anseios e desejos, na sua vontade. É difícil. Sim. Mas nem por isso se pode deixá-lo, ignorá-lo ou tratá-lo como se criança fosse. Às vezes, ele tem atitudes de criança misturadas com atitudes de adulto, o que deve ser entendido como absolutamente normal e natural, até porque se encontra ele na idade para conquistar a autoafirmação, ou seja, procura formas e modos de ser dono de si mesmo, quer fazer valer o seu “eu” e, muitas vezes, não consegue, porque lhe falta o amadurecimento e o equilíbrio suficiente.
            Infelizmente, em muitas situações os pais encaram a adolescência como um grande desafio, seja na convivência e coexistência, seja no processo educativo com e dos adolescentes. Onde encontrar explicação e fundamento para tal dificuldade? Sem sombra de dúvida, ela reside na inexistência de um fator preponderante para a árdua tarefa da educação, ou seja, a pouca ou nenhuma amizade dos pais com os adolescentes. Se os cônjuges, como pais dedicados, agirem verdadeiramente como amigos de seus filhos, a missão da educação poderá ser árdua, mas não tanto espinhosa e difícil como muitos a encaram e ele se apresenta. Pais amigos terão amigos filhos, porque estes serão confidentes daqueles que, alegres, se alegrarão com o fruto do seu amor. Eis, pois!





CONSTRUTORES DA VIDA



            Santo Agostinho lega-nos a notícia de que, no seu tempo, existiam cerca de trezentas definições sobre ser humano. E hoje, certamente, muito mais. Nem sabemos quantas. Um mistério. Mistério como é a vida.
            Tive a curiosidade de verificar, no melhor dicionário de nossa língua materna, o sentido do termo vida. Diz lá:...estado de incessante atividade funcional, ou, ... tempo decorrido entre o nascimento e a morte..., ou ainda, ... existência..., e tantos mais. Surpreso! A vida deve ser muito mais.
            O casamento era, ao tempo de Jesus, inestimável patrimônio da civilização. E ao elevá-lo à dignidade de Sacramento, tornou-o ainda mais de incalculável valor patrimonial. Direi que assim deve ser, porque, o casamento, o matrimônio, torna-se santuário da vida. Mais que tempo decorrido entre o nascimento e a morte, é estado de incessante atividade funcional. Mas, muito mais que isto, lugar de construção e preservação da vida.
            A Sagrada Escritura, em suas páginas iniciais, ao descrever a criação de Deus, na particular criação da natureza humana, o desígnio de Javé (=Deus) sobre o ser humano, segue uma lógica e dinâmica fundamental: ”crescei e multiplicai-vos”. Inegavelmente, ao dar Eva como eterna e terna companheira a Adão, constitui o homem e a mulher como a vocação insubstituível de construtores da vida.
            Já sabemos quão maravilhoso e soberbo o desígnio de Deus sobre a sorte salvífica da humanidade. Com a dinâmica que ele mesmo criou, quis, com ela, instalar-se no meio da humanidade. Emanuel, Deus conosco. No Espírito Santo fez-se esposo de Maria Virgem, que nos deu seu Filho Jesus, nascido nas condições de extrema humildade, numa estrebaria, em Belém, na Judeia. Javé, criador da vida, deixa-se, em seu Filho, entrar na dinâmica da construção da vida.
            O Natal de Jesus é, em todos os sentidos, uma imagem da dinâmica do ser humano como construtor da vida, uma realidade símbolo do matrimônio, do casamento, como ambiente de construção da vida. Impressiona a inter-relação de José com Maria. Embora a Encarnação de Deus no meio da humanidade se faz de forma extraordinária, obra do Espírito Santo, José não se acovarda, assume a postura de pai e esposo, construtor da vida.
            Obviamente, a vida, uma construção inacabada, requer constante e permanente dedicação de conservação e retoque. Pois, esta construção não termina com o nascimento. Deus, no Natal e depois, deu o exemplo. Assim, agora podemos entender o magnífico mistério do casamento de José e Maria. A vida do Menino-Deus estava em suas mãos. Estado de incessante atividade funcional. Existência. Eis, pois!









EDUCAR COM ARTE



            Vive-se hoje muito melhor que antigamente, existe mais conforto, maior conhecimento. Temos mais compromissos, porém menos tempo. Gastamos mais, embora desfrutamos menos. Temos casas maiores, mas famílias menores. Temos mais remédios, entretanto menos saúde. Multiplicamos nossos bens, mas reduzimos nossos valores humanos. Conquistamos o espaço exterior, mas o interior, às vezes, esquecido. Temos dinheiro, porém menos moral. Fala-se muito da necessidade de restabelecer valores humanos, valores éticos, entretanto, sem ser pessimista, parece que nada caminha neste sentido. Seria isto uma radiografia ou um panorama com objetividade do mundo em que vivemos? Se não for, ao menos pode dar uma ideia ou noção, ainda que relativa, da realidade atual.
            Tem-se ouvido tantos relatos pessimistas e negativos que mostram e apontam a família em declínio, como tantas outras instituições em crise na pós-modernidade. Muitas notícias dos conflitos entre pais e filhos e vice-versa. Não se pode ignorar que isto seja uma realidade e nem desconhecer que tais conflitos sempre existiram, antes com menor, mas hoje com maior incidência. Derrotismo e pessimismo nestes momentos são perniciosos e não podem fazer parte do dia a dia, mesmo que seja real, até porque o ser humano deve acreditar na própria capacidade de superação.
            Falando-se de família e casamento, torna-se difícil discernir ou saber qual deles tem levado o outro ao fracasso ou declínio. Se a família em crise levou o casamento ao declínio ou se este tornou a família susceptível de crise, não se pode concluir a qual deles pertence a paternidade da culpabilidade. Obviamente, chorar leite derramado não produz nenhum efeito ou suporte para superação de crises ou conflitos. Mais obviamente, Deus, na sua incomensurável sabedoria, instituiu o casamento no início da criação e o dotou com leis próprias para o bem e a felicidade dos homens e mulheres de todos os tempos e lugares. E o casamento seguiu seu curso trazendo o estabelecimento da família como célula mãe da sociedade.
            Por certo, ambas as instituições, a família e o casamento, terão sua parcela de responsabilidade, para não falar de culpa, pelo fracasso, pela crise ou pelo conflito que gerou e continua gerando as crises, algumas delas sem solução. Não admitir isso, seria fazer-se de cego na mente e surdo no espírito, para não ver e nem ouvir a realidade que nos cerca.
            A educação, que no passado era dada com arte, continua sendo feita também com muita arte. Porém, no momento, exsurge a necessidade de se descobrir ou redescobrir algum valor esquecido. Qual ou quais? Trata-se de restabelecer valores humanos perdidos ou esquecidos do passado. Um deles: a conversa ou o diálogo com os filhos.
Dias atrás, numa oportunidade feliz daquelas que a vida e a convivência proporciona, indagou-se para os pais reunidos se conversavam com os filhos. Para surpresa, constatou-se que não. Dão ordens e determinações, querem que cumpram e observem tudo, mas não os escutam quando precisam falar com os pais. Não lhes dão oportunidade de também falarem. E os filhos, neste particular, têm e estão cobertos de razão quando desejam argumentar com os seus pais. Os filhos têm necessidade disso desde pequenos, mesmo quando ainda não sabem falar. Importante que os filhos falem aos seus pais das suas dúvidas, das dificuldades, do que pensam, do que fazem. Se não são ouvidos, estarão vivendo na escuridão das incertezas e das dúvidas que somente eles têm. Possivelmente, se se estabelecer com os filhos desde pequenos este sistema ou clima de diálogo franco e aberto, restabelecer-se-á a confiança muitas vezes perdida e, quem sabe, educar-se-á com mais apurada arte. Eis, pois!




sexta-feira, 12 de junho de 2015

INTERPRETAR E REINTERPRETAR SEMPRE

                                             

Uma das mais ricas funções — sim, funções — da mente humana é, exatamente, a de interpretar sempre os acontecimentos, os fatos, a vida, o amor. E funções porque a capacidade da mente para interpretar abarca e envolve uma gama de infinitas situações. E interpretar sempre, porque a vida e o amor estão sujeitos também a uma infinita dinamicidade, isto é, de movimentos, mudanças e crises. Na verdade, a vida e o amor, sendo dinâmicos, devem ser interpretados e avaliados, pois apresentam sempre situações novas, experiências novas.
            O novo pode assustar, pode alegrar, trazer contentamento e preocupações, incertezas e indecisão. Mas como novo, distinto do antigo e anterior, passa e deve passar por uma avaliação, reinterpretação daquilo que se encontra na vida e no amor, para por o ser humano na condição de adequação e estabilidade, na serenidade e discernimento do bom, do útil, agradável e tranquilo, superando incertezas e indecisões. Só assim virá a adaptação.
            O casamento sofre idêntico processo e, portanto, necessariamente, os fatos, os acontecimentos, a vida e o amor precisam e devem ser reinterpretados. Vida e amor, como são dinâmicos, passam por transformações que apresentarão situações novas. Situações que requererão constante avaliação para a adaptação. Nesse particular, não podem se esquecer os cônjuges de que situações novas sempre virão. Mente e corações devem estar permanentemente interligados e ligados a esta verdade, da qual não podem e nem devem se desvincular, sob pena de perderem o controle e equilíbrio na relação afetuosa, de carinho, enfim, do amor que alimentam e vivem no dia a dia e que para o futuro viverão.
            Inúmeras vezes, não será fácil reinterpretar a vida e o amor diante de situações novas. Interpretar estas supõe que, primeiro, se a faça individualmente, isto é, com esforço por entender e compreender por si mesmo. Mas, sobretudo, interpretar a dois. Significa que os cônjuges exercitem sua capacidade de diálogo e discutam cada situação nova, para se entenderem e compreenderem e, assim, se adaptarem a ela, sem atritos e conflitos negativos que só dificultarão a vida e o amor.
            Deus dotou o ser humano de entendimento e capacidade de diálogo. E este se faz com esforço e boa vontade, para interpretar e reinterpretar sempre. Eis, pois!




EROS

“... Mas, nem o espírito ama sozinho, nem o corpo: é o homem, a pessoa, que ama como criatura unitária, de que fazem parte o corpo e a alma. Somente quando ambos se fundem verdadeiramente numa unidade, é que o homem se torna plenamente ele próprio. Só deste modo é que o amor, o Eros, pode amadurecer até à sua verdadeira grandeza”. Assim se exprime o Papa Bento XVI, na sua primeira Carta Encíclica, sobre o amor cristão[1].
            Houve um tempo em que tentativas surgiram com o fim de renegar totalmente a maravilhosa dimensão do amor como Eros. Eros, na mitologia grega, o deus do amor e representado na lenda romana por Cupido ou Amor e cujo significado pode ser como aquele amor instintivo, amor carnal.
            Muitos casamentos tiveram ou têm como fundamento unicamente o amor carnal, Eros. Por isso, fracassaram ou fracassam. Aliás, toda inter-relação que se fundamenta tão somente no Eros, no amor carnal, no amor instinto, está mesmo fadado a curta duração.
            Como muito bem argumenta o Sumo Pontífice Bento XVI quando na sua primeira Encíclica faz rápida, mas rica e autêntica interpretação do Cântico dos Cânticos, pergunta como deve ser vivido o amor para que se realize plenamente a sua promessa humana e divina. E diz ele: “... O amor compreende a totalidade da existência em toda a sua dimensão, inclusive a temporal. Nem poderia ser de outro modo, porque a sua promessa visa o definitivo: o amor visa a eternidade...”. Então, vê-se que o amor Eros, amor carnal, também está incluído na totalidade do amor que leva consigo a finalidade do bem do amado. Mas não somente o amor carnal, também o amor de amizade, que os gregos chamavam de filia; e mais ainda, o amor ágape, que tem o significado de mútua afeição e que visa o bem do amado, numa preocupação ativa pela sua vida e o crescimento.
            Em se falando de matrimônio, casamento, deduz-se que o amor Eros, amor carnal, deve passar por uma purificação, com renúncias e sacrifícios para não suplantar as outras duas dimensões do amor, o amor amizade e o amor afeição, mesmo que uma delas sobressaia em relação às outras. Também aqui, há sempre o perigo e o risco da criação de feudo em cima das dimensões do amor ou de uma delas. O que fatalmente levará o casamento a um fim o qual não se pode prever qual será. Acentuar o casamento sobre uma só das dimensões do amor e fixar-se somente nela poderá, como acontece sempre, levar o casamento ao total fracasso, pois de repente passar-se-á viver uma vida a dois desprovida de qualquer sentido, quando, então, a separação torna-se o único remédio, incapaz de curar a ferida e apagar as marcas deixadas por uma inter-relação que jamais poderia ter acontecido.
            O amor Eros ou carnal, o amor filia ou de amizade e o amor ágape ou de afeição, que visa o bem do amado, que espera algo de retorno e sem exigência, um tripé perfeito; dos três, o ágape sobressai como aquele capaz de sustentar o matrimônio e, sem ele, os outros dois estariam na iminência de se sucumbirem, não sendo capazes da manutenção do casamento, como tem acontecido na prática com inúmeros fracassos matrimoniais. E fracassam porque, tanto o Eros, como o amor de amizade, tem seus limites bastante aquém do que é capaz o amor ágape, doação e entrega total ao outro e para o bem dele. Isto explica muito bem o motivo ou motivos de muitíssimos casamentos destruídos, quando falta o amor ágape, caminho seguro de manutenção do matrimônio. Eis, pois!

(1)  Papa Bento XVI (latim: Benedictus PP. XVI, em italiano Benedetto XVI), nascido Joseph Alois Ratzinger, (Marktl am Inn, Baviera, 16 de abril de 1927) é Papa desde o dia 19 de Abril de 2005. Foi eleito como o 265º Papa com a idade de 78 anos e três dias, sendo o actual Sumo Pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana. Foi eleito para suceder ao Papa João Paulo II no conclave de 2005 que terminou no dia 19 de Abril. É pianista e tem preferências por Mozart e Bach.  Grande teólogo e profundo conhecedor da filosofia. É o sexto e talvez o sétimo (segundo a procedência de Estêvão VIII, de quem não se sabe se nasceu em Roma ou na Alemanha) papa alemão desde Vítor II e, nos seus 80 anos, tem a idade máxima para ser cardeal eleitor. Em abril de 2005 foi incluído pela revista Time como sendo uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. O último Papa com este nome foi Bento XV, que esteve no cargo de 1914 a 1922, foi o Papa durante a Primeira Guerra Mundial. Ratzinger é o primeiro Decano do Colégio Cardinalício eleito Papa desde Paulo IV em 1555 e o primeiro Cardeal-bispo eleito Papa desde Pio VIII em 1829.




REDESCOBRIR

Neste dia dedicados aos namorados, aproveito para dedicar-lhes alguns de meus escritos sobre casamento, homenageando-os, mas dedico também a todos os casados, porque entendo eu, que casados, são ternos e eternos namorados.



            O mundo da mitologia grega sempre fascina a todos, quando tomam conhecimento das imagens e atividades dos deuses da Grécia Antiga. Misturam-se sonhos e ilusões inumeráveis que só mesmo na imaginação de um povo que, permanentemente, buscou respostas para a origem da vida, explicações para o mistério da existência humana, do mundo e das coisas.
            Em muitas lendas e mitos do espaço vital grego, um tema esteve sempre presente. As relações entre os deuses e os habitantes daquele rico mundo cultural incluíam o casamento, a família. É verdade que no limite. Curiosamente, alguns deuses disputavam entre si o casamento e a existência familiar, na rica relação que as relações humanas e amorosas inspiram. Alguns deuses não exitavam na eliminação de outros para realizarem seus intentos no desejo de tomar para si o esposo ou esposa da própria ilusão.
            O ser humano também tem seus sonhos e ilusões. Alguns realizáveis e realistas, outros nem tanto. E certamente, como no mundo grego, inicialmente, algo sonhado e ilusionado, vai se tornando realidade Um pouco diferente do imaginado.
            As lendas e mitos helênicos nos fascinam, sem dúvida, porque rico de muito romantismo colorido por um amor não deliberado, mas contagiante. Amor fortemente mesclado de muita graça e ventura. Isto, ventura com toda força que o termo inspira, de boa sorte, felicidade, destino de prosperidade e sucesso. E os inimagináveis acontecimentos tinham sempre um final feliz, porque chegavam os deuses à redescoberta do que o maravilhoso passado os inspirou.
            Seria por demais ousado inspirar-se nas lendas gregas para falar e discorrer sobre um tema que, sem ser exclusivo, tem profundas raízes no cristianismo? Certamente, não. A cultura cristã purificou, a ideia e o ideal do casamento evoluiu, da cultura grega para o mundo cristão.
            A instituição casamento passa, no mundo atual, por uma crise de identidade, cujas causas não foram ainda detectadas no todo, pelo menos como resposta definitiva, e que ofereça tranquilidade para os anseios da existência humana. Será? Igualmente ousado pode-se responder, não. Se os deuses gregos foram egoístas, sucumbiram no seu próprio egoísmo.
O ser humano, realista, de inteligência evoluída e mais aguçada que o imaginário universo da mitologia, deve partir para a redescoberta dos autênticos valores do casamento e da família. Façam um esforço para redescobrir tais valores. Com ventura sim, mas também, renunciando ao egoísmo, redescobrir tudo aquilo que constituíram os momentos felizes do namoro, noivado e dos primeiros anos do casamento. Eis, pois!