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sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

OLHAR NOS OLHOS


            Um antigo ditado popular dizia: “Onde estiver os olhos, aí estará o amor”. Poetas, escritores, cancioneiros e repentistas, em muitas de suas composições falam dos olhos como instrumento mágico, aquele capaz de propiciar inspiração, como de fato produz significativa e expressiva inspiração para falar de amor, explicar, ler e interpretar o amor.
            Se os olhos são tema de inspiração de canções de amor, com muito mais razão, eles são, não tema de inspiração, mas produtores de uma realidade chamada amor, por de trás do grande mistério que ronda o coração humano. Na realidade, o verdadeiro amor nasce do olhar nos olhos, até mesmo para quem tem deficiência visual no grau mais acentuado.
            Javé, o Deus Criador de tudo que existe sob o céu, dotou o ser humano de inigualável condição, vontade e inteligência, e com estas duas entidades, pôs o ser humano na condição de poder ver, enxergar vinculadamente àquelas, tudo que existe visível ao olho humano, mas também com a capacidade de ver com o coração.
            Ver com o coração! Sim. Só pode ver com o coração olhando nos olhos. Aí nasce e se cria um verdadeiro amor. Somente olhando nos olhos é que será possível ver, ler e interpretar com o coração.
            Jesus, em muitas oportunidades recuperou a vista aos cegos e isto nós temos notícias através dos Evangelhos, palavra de salvação. Mas, com isso, queria indicar que todos devem ver além da realidade material, isto é, ver o essencial, invisível aos olhos e ao coração visível. Enxergar uma realidade espiritual que vai além da realidade evidente e vista tal como se apresenta na realidade palpável.
            Não quer dizer amor à primeira vista, pode até sê-lo algumas vezes e para algumas pessoas, mas sim amor nascido do olhar nos olhos, do olhar dentro dos olhos, enxergando o coração. O casamento aceita esta peculiaridade, a requer e o verdadeiro, construído no verdadeiro amor, se inicia nela.
            O verdadeiro amor manifesta-se como elemento espiritual, psicológico e deve ser renovado, dia a dia, com o olhar nos olhos do ser amado, porque, este olhar evoca reminiscências estimuladoras e motivadoras daquele amor nascido e criado com o olhar dentro dos olhos.
            Os olhos são órgãos duplamente abençoados por Deus. Permitem ao ser humano, continuamente, poder ver nos olhos aquilo que está no coração. No casamento, o amor pode ser cada dia recriado e renovado, se os esposados continuarem olhando nos olhos, também cada dia, momentos que serão transformadores e arrebatadores, mantenedores da mais perfeita e profunda forma de amor, o amor que os levou ao casamento e assim o uniu. Eis, pois!




O DILEMA



Como acontece na literatura de cada cultura, também na cultura do povo hebreu, diria, na cultura do Povo de Deus, a literatura bíblica descreve magistralmente a criação do universo. Javé, Deus criador de todas as coisas, coroou a obra da criação, criando o ser humano. E a história da criação deste, contada como em nenhum outro livro, mostra que para Deus, a existência do ser humano sobre a face da terra se constitui numa grande felicidade. Não foi um dilema para Javé criar o homem e a mulher. O próprio Deus se compraz, exulta e coroa de glória toda a criação. O único ser dotado de inteligência e vontade, homem e mulher os criou.
Javé instituiu a vinculação entre homem e mulher com leis próprias dos seres humanos. Deu-lhes condição e capacidade para o acasalamento, diverso dos outros seres, infinitamente superior. Tudo dispôs, de tal forma, que se torna inconfundível a união do homem e da mulher, pois viu que não era bom que o homem estivesse só.
Adão, aquele que denomina a Sagrada Escritura como o primeiro dos seres humanos criado, colocado diante de todos os animais, Javé fez passar estes à frente daquele, o rei da criação, e não viu nenhum que fosse semelhante a si. Dotada de natureza idêntica, Eva, denominada como a primeira mulher, posta diante de Adão, este não exitou, um só momento, sentiu e viu que era carne de sua carne e osso de seus ossos, porque dele saiu, pela capacidade de Deus, inestimável sabedoria, de dar ao primeiro homem uma companheira que lhe fosse semelhante e que com ele, compartilhasse a vida e a existência. 
O casamento, sem sombra de dúvida, tendo como autor o próprio Deus, inegavelmente, é instituição de direito natural, ou seja, lei dada por Deus na própria natureza. Tendência natural do ser do homem buscar na mulher sua complementação. E esta, encontrar naquele igual complementaridade.
A inteligência e suprema sabedoria de Deus dispôs inteligência e também sabedoria no ser humano, para que use a primeira e depois a outra, para encontrar na companheira, e vice-versa, alguém que lhes seja comparte. Porém, sempre surge o desafio: encontrar uma ou um comparte, o que cria na natureza humana o dilema. Dilema que pode ser definido como incerteza quanto ao acerto ou acertos do futuro.
Dilema, sim! Dilema. Será sempre um desafio cercado de incertezas. Incertezas que só poderão se tornar certeza, não absoluta, porém, com fé na vida e na capacidade de superação, quando se busca e procura no outro ou na outra cumplicidade e companheirismo, sinceridade e honestidade de um comum ideal, traduzindo tudo em honesta e sincera convivência. Só assim o dilema deixará de ser uma incerteza e a condição dada por Deus se tornará uma benção da felicidade. Eis, pois!


Por que casar-se?: O CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO.

Por que casar-se?: O CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO.: Divulgação Acenos Históricos.   Desde os tempos da Igreja primitiva, foi costume fazer coleções dos sagrados cânones, a f...

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A VIOLAÇÃO DA LIBERDADE DE CONSENTIMENTO POR MEDO REVERENCIAL GRAVE

A liberdade do consentimento, que no sistema matrimonial canônico representa a causa eficiente do vínculo conjugal, o verdadeiro momento gerador do matrimônio, quer como ato jurídico, quer como estado de vida pode ser diretamente viciada pela violência física, o medo, ou pelo temor reverencial, nos termos do cânone 1103.
A violência ou força física são uma coação realmente material sobre os órgãos da expressão externa do nubente para obter assim o sinal exterior positivo, ou seja, para obter a prestação do consentimento matrimonial.
O medo reverencial no nubente, ao prestar o consentimento matrimonial, afigura-se como temor que traz como conseqüência que sinta uma assim denominada ‘violência moral’ ou psicológica, operada por terceiro, em virtude da qual se sente constrangido a executar aquilo que de outro modo não executaria, no caso, a prestação do consentimento matrimonial.
Com o temor reverencial a pessoa do contraente efetivamente dá seu consentimento matrimonial, mas este é viciado pelo ato do constrangimento. Por isso, se o constrangimento foi de natureza grave, inclusive, tendo em vista, também, a importância pessoal e social da instituição matrimonial, o ordenamento jurídico canônico considera o consentimento prestado em razão do temor como originariamente nulo, segundo o que estabelecem os cânones 125 § 2 e 1103, ambos do Código de Direito Canônico. Neste sentido, visa a lei resguardar a liberdade da pessoa na escolha do estado de vida, liberdade que, além disso, se acha solenemente proclamada no elenco dos direitos dos batizados, segundo o cânone 219, do Código de Direito Canônico.
O temor reverencial pode ser exercido pela ‘violência moral’, mediante ameaças de males físicos, ou morais, ou até mesmo como o mero abuso de poder ou autoridade.
O constrangimento deve antecedente à celebração das núpcias e determinante da celebração do matrimônio.
O medo ou temor que viciam o consentimento devem ser graves. E, neste sentido, será grave a ação de constrangimento quando esta constituir efetiva causa do consentimento, sobrepondo-se a dita ação à espontânea manifestação da vontade de quem é constrangido.
A ação constrangedora deve provir de causas externas, ou seja, de uma pessoa e de seu comportamento positivo, ainda que não direta ou intencionalmente voltado para extorquir o consentimento matrimonial, ou mesmo pela suspeita do temor que equivale ao mesmo temor.
A ação que constrange pode ser direta ou indireta segundo se aflige para obter o consentimento matrimonial ou para outro fim a que se propõe e o contraente se vê obrigado a casar.

Por fim, o medo deve ser indeclinável, ou seja, o matrimônio que vai celebrar, contrário à própria vontade, se constitui como o único meio racional para conseguir evitar o mal que o ameaçou. Trata-se de uma impossibilidade moral, levando-se em conta todas as circunstâncias que afetam o paciente amedrontado. 

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O sacramento do matrimônio




Os sacramentos foram instituídos por Jesus em pessoa. Existindo já o casamento natural, Jesus o elevou à dignidade de sacramento. Ou seja, tornou o casamento um sinal de salvação. Portanto, o casamento é para a santidade dos que se casam.
            Sacramento: sinal sensível sagrado. Sensível, porque toca os sentidos, tem como motor a vontade e a razão e, sagrado, porque instituído pelo próprio Deus, na pessoa de Jesus.
            Sacramento é canal da graça de Deus para as pessoas e, no caso, o sacramento do matrimônio é canal da graça santificante para os nubentes e esposos. Claro que isso faz sentido para quem tem fé.
            Como disse, explicando melhor o matrimônio sacramento: Cristo o elevou a essa condição. Este é um dado pacificamente adquirido e admitido na atualidade na teologia sacramental católica, ou seja, a união matrimonial, em sua consideração meramente natural, se reveste de um caráter sagrado, como o demonstra a fenomenologia das religiões. Cristo elevou esta realidade natural à dignidade de sacramento; este fato não supõe alteração da natureza da instituição matrimonial, mas implica a incorporação deste instituto natural à ordem sobrenatural (espiritual) da graça no caso dos batizados. Daqui, conclui-se que a sacramentalidade não é um elemento acidental e extrínseco, pertence à mesma raiz do matrimônio. Enquanto sacramento, é um sinal sensível e significante da graça; sua matéria e forma é o consentimento mutuo dos esposos, e o ministro são os próprios contraentes.
            Diz o cânone 1055 § 1: O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio de toda a vida, por sua índole natural ordenado ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole, entre batizados foi por Cristo Senhor à dignidade de sacramento.
            Juridicamente, a lei define o sacramento do matrimônio em termos teológicos, ou seja, a lei faz aquilo de que não lhe é próprio, definir realidades ou situações.
            Por outro lado, define os fins do sacramento do matrimônio: 1. Bem dos cônjuges; 2. geração e educação dos filhos.
A sacramentalidade tem efeitos jurídicos importantes (cfr. cânone 1141). É opinião comum que unicamente seja tal quando se trata de matrimônio entre dois cristãos.
            Outra afirmação importante, com fundamento na própria lei canônica, no cânone 1057 § 2: O consentimento matrimonial é o ato de vontade pelo qual o homem e a mulher, por aliança irrevogável, se entregam e se recebem mutuamente para constituir o matrimônio.
Então, a inseparabilidade entre o contrato e o sacramento para os batizados. Consiste na impossibilidade de separação entre as duas realidades, tratando-se de matrimônio entre cristãos. Consequentemente, se não há contrato válido, não há sacramento; e se não há sacramento, não há contrato. Apesar de questionada tal doutrina, trata-se de uma afirmação qualificada teologicamente como de “doutrina católica” e reafirmada em sucessivas ocasiões pelo magistério da Igreja.
Atualmente, o questionamento a esta afirmação tradicional foi apresentado a partir de uma constatação pastoral: a existência de batizados que se declaram não crentes ou não praticantes. A Igreja reafirmou recentemente a inseparabilidade entre o contrato e sacramento do matrimônio, cuja consequência mais importante é a obrigatoriedade da celebração do matrimônio canônico para todos os batizados, independentemente de sua situação de fé pessoal.
            Em seguida a lei canônica estabelece as propriedades essenciais do matrimônio e que o configura pela sua própria natureza e sem as quais este não pode existir: Unidade e Indissolubilidade. Estas são propriedades que advém da natureza específica do matrimônio e, em consequência, são para todos os matrimônios, seja entre cristãos que entre não cristãos. Para os cristãos as duas propriedades adquirem uma peculiar firmeza em razão do sacramento enquanto que significa a união de Cristo com a Igreja.
            A unidade consiste em que não pode haver união matrimonial se não é de um só homem com uma só mulher.
A unidade opõe-se a qualquer forma de bigamia ou poligamia simultânea, já que a monogamia parece ser o regime mais conforme para obter os fins do matrimônio.
            A indissolubilidade consiste naquela propriedade essencial do matrimônio em virtude da qual o vínculo conjugal validamente constituído não pode ser dissolvido nem se extinguir pela própria vontade dos contraentes. E as exigências da instituição matrimonial reclamam que a unidade seja perpetua e estável.
            Unidos às duas propriedades essenciais existem os chamados elementos essenciais do matrimônio de que fala Santo Agostinho: o bem dos filhos, o bem da fidelidade e o bem do sacramento, que têm importantes consequências jurídicas (cfr. cânone 1101, 2).
            Um instituto importante no direito matrimonial se constitui no consentimento matrimonial. O cânone 1057 contém duas afirmações fundamentais: que o consentimento de duas pessoas de distinto sexo é o fator constitutivo do matrimônio e qual é a natureza deste mesmo ato.
            O cânone 1055 § 2, do Código de Direito Canônico diz: Portanto, entre batizados foi por Cristo Senhor elevado à dignidade de sacramento.
            A única causa eficiente do matrimônio é o consentimento de duas pessoas, é o seu elemento criador e, em consequência, tem um caráter insubstituível.
            Tal consentimento deve ser manifestado por pessoas livres de impedimentos e na forma legitimamente estabelecida, para que seja juridicamente eficaz.
            O consentimento é um ato de vontade individual, mutuo e recíproco. É um acordo de duas vontades, isto é, de um homem com uma mulher.
            E o objeto do consentimento matrimonial em correspondência com a nova concepção do matrimônio é a entrega e a aceitação mútua dos esposos para consentir no matrimônio, em aliança irrevogável.
            A doutrina católica consagra o objeto do consentimento matrimonial num contexto mais amplo e integrador do consorcio (aliança) de toda a vida.
            Como Santo Tomás de Aquino deve-se distinguir três situações no matrimônio, que não se deve confundir: a causa do matrimônio que é o pacto conjugal; sua essência constituída pelo vínculo conjugal; e os seus fins que são procriação e educação da prole, a regulação do instituto sexual e a mutua ajuda, entendidos como o bem dos cônjuges.
            Deve-se levar em consideração que com a celebração do contrato sacramental do matrimônio os nubentes criam entre si um vínculo jurídico, que em razão da Lei natural, é indissolúvel. E a Igreja Católica entende que ninguém, nenhum poder humano pode dissolver este vínculo, (no caso, seria o divórcio), uma vez que entende que a lei natural é a lei de Deus inscrita na natureza e, portanto, nenhum poder sobre a Terra pode se sobrepor à lei de Deus inscrita na natureza.
            Então, não há como confundir a declaração de nulidade do matrimônio com o divórcio, uma vez que, a primeira diz relação a um matrimônio (contrato sacramental do matrimônio), inexistente, inválido ou, como queiram, nulo porque o consentimento que faz o matrimônio ou casamento é inválido e pelos motivos ou causas estabelecidos no Código de Direito Canônico. E o segundo, o divórcio, é outra realidade, a qual seja: rompimento de um vínculo jurídico, ou dissolução de um vínculo jurídico existente e válido.



A FALTA DE LIBERDADE INTERNA

            A liberdade ou a falta de liberdade oferecem, além de algumas projeções da liberdade externa, outra projeção mais profunda e radical, mais próxima das raízes e essência da liberdade, a liberdade interna, ou ao contrário, a falta de liberdade interna, “enquanto que em nosso querer e atuação não estamos determinados, nem sequer a partir de dentro, pelo próprio ser” (cfr. E. Coreth, Qué es el hombre? Esquema de una antropologia filosófica (Barcelona, 1976) p. 136).
            Para se falar de liberdade, não basta falar de ausência de coações e violências provenientes de fora, de causa externa, “... só serei livre se não estiver determinado por uma necessidade interna de meu próprio ser, de minhas disposições e impulsos, mas que posso e devo decidir-me para atuar deste ou de outro modo” (cfr. E. Coreth, ob. Cit. P. 139: “La liberdad de elección em este sentido se expone a menudo como uma liberdad de especificación (libertas specificationis); es decir, como uma faculdad de actuar de ésta o de la otra forma, de elegir ésta ou aquélla possibilidad y de determinar por si mismo el acto. También se denomina de liberdad de ejecución (libertas exercitii), o sea, la faculdad de poner ou no poner um acto determinado”).

Condicionamentos da vontade e a diminuição da liberdade.

            O ser humano é um ser histórico e concreto; um ser situado em uma “circunstância”. Por isso, cabe pensar que a dialética entre liberdade e determinismo não seja só patrimônio de certos atos excepcionais da vida humana, mas algo inerente a todo ato humano (cfr. L. Monden. Consciencia, libre albedrio, pecado (Barcelona 1968) p. 32).
            Notório doutrinador apresenta três tipos de influência que podem marcar uma limitação na liberdade: 1. Influxos de caráter biológico, 2. Influxos de caráter social, 3. Influxos de caráter psicológico.

            1. É claro que sobre o ato humano e sua espontaneidade e liberdade incidem fatores de tipo físico-biológico. Aí está o fato da herança com seu cúmulo de contribuições no terreno vivencial de todo ser humano: qualidades e defeitos, caráter, taras; anomalias; enfermidades, predisposições, inclusive perversões. Aí está o fato da manipulação exercida artificialmente sobre a pessoa, seu cérebro e sua vida, usada pelo progresso da ciência. Aí está este fato cainita da opressão exercida pelo homem sobre os outros homens de mil maneiras, sem esquecer as ações sobre o espírito por meio da droga e de outros produtos tóxicos ou narcóticos.
            Com tudo isso, constata-se a vulnerabilidade da consciência e da liberdade nas pessoas por todo este tipo de condicionamentos físicos, que podem fazer chegar à perda aguda de liberdade ou discernimento, a demenciações, letargias, etc... Faz-se, com isso, patente um perigo de robotização humana, como aponta o já citado doutrinador.

            2. É assim mesmo clara a presença fortemente redutora da liberdade através da pressão social e ambiental, devida, sobretudo pelo influxo dos grupos de pressão e dos ‘mas media’ com sua seqüela de despersonalização humana. Com isso se comprova que uma boa parcela da humanidade “se revela incapaz de um pensamento e de uma decisão verdadeiramente autônoma (cfr. L. Monden, ob. cit., p. 35). E não se pode esquecer o terreno das relações interpessoais – laboral, de amizade e, sobretudo, familiares -, donde emergem para a pessoa fortes condicionamentos de tipo social.

            3. Mas, além de todos os campos de pressão, não se pode esquecer também o próprio psiquismo como fonte limitadora do voluntário e da liberdade. Aí estão as perturbações do psiquismo polarizando enfoques unilaterais e vinculantes para a pessoa em seu agir; alterações com prejuízos importantes para a maturação do sujeito e que impõem reações infantis na conduta; complexos que podem levar a exercer sobre a vontade livre uma eficácia tão infantil como a ação de uma droga ou de uma lesão cerebral (cfr. L. Monden. ob. cit., p.40); personalidades neuróticas ou também não neuróticas mas expostas a todo um conjunto de fatores inibidores ou neurotizantes ou impulsores que criam obsessões, fobias, automatismos, inquietudes, sugestionabilidade, frustração, reflexos de angustia ou de agressividade e cuja ação inconsciente contaminará a ação adulta, fazendo decair responsabilidades, racionalidades e autodeterminações (cfr. L. Monden. ob. cit., p.40).
            Tais considerações não podem levar, sem dúvida, a conclusões excessivamente pessimistas e, sobretudo generalizadoras.
            É certo que por liberdade entendemos capacidade e possibilidade de eleição livre. É certo que o ser humano, e não só os enfermos psíquicos, podem não ser livres e de fato não são todos livres como queriam ou deveriam.
            Isto não obsta, sem dúvida, para externar as posições e alegar um determinismo que não corresponde com a realidade do comportamento humano e até com a consciência da liberdade pessoal.
            Está o ser humano condicionado: nem tão pouco que se possa cair na utopia de um canto de liberdade total, mas nem tanto de se negar a liberdade.
            O homem é livre da lei ordinária, apesar de alguns destes condicionamentos aludidos, que se põem, sobretudo de manifesto nas decisões mais triviais da vida.
            Há que buscar-se a liberdade, sobretudo nas opções fundamentais, pelas quais entende-se que comprometem a pessoa em seu ser e sobretudo em seu devir futuro e que implicam entrega ou negativa profunda e até incondicional da pessoa inteira.
            Estes tipos de opções serão verdadeiras decisões se, enquanto e porque fundem suas raízes no mais profundo do ser e mostram coerência com o sentido geral da própria condição e da própria existência. A decisão deverá assumir e assimilar todos os determinismos condicionadores e lograr manter-se sobre eles com tal decisão. Somente quanto não se lograr assumi-los e superá-los, essa decisão ficará no plano de uma verdadeira falta de liberdade interna, seja qual for a causa dessa situação: patológica ou não patológica, habitual ou ocasional.
            Todas estas idéias podem perfeitamente aplicar-se às decisões, opções e eleições que se produzem no estado matrimonial.
            Vê-se, então, que a falta de liberdade interna se constitui dentro do Código de Direito Canonico, no cânone 1095, 2, em verdadeiro motivo de nulidade de matrimônio, entretanto, não como capítulo autônomo, mas dentro do contexto do referido cânone.
            A falta de liberdade interna deve vir referida ineludivelmente ou por condicionamentos interiores derivados diretamente da própria condição do ‘eu’ ou de condicionamentos conexos com as circunstâncias do próprio ‘eu’ e que ele recolhe e sobre ele incidem sem uma atuação exterior livre. Em ambos os casos é a partir de dentro do próprio sujeito onde se reduz o campo da autonomia e da liberdade.
            Então, a falta de liberdade interna implica em:
1. A pessoa é condiciona de tal maneira que intrinsecamente não é livre para escolher ou autodeterminar-se;
2. Quando a pessoa não é realmente dona de seus próprios atos, porque não é livre para autodeterminar-se num sentido ou noutro;
3. A afirmação de falta de liberdade interna deve ser provada;
4. Deve a falta de liberdade interna se referir ao matrimônio e se a há deve entendê-la como falta de liberdade interna necessária para o matrimônio e para o consentimento matrimonial;
5. Deve-se levar em conta que se requer maior liberdade para o matrimônio que para incorrer na responsabilidade por falta ou pecado grave; maior liberdade para relação normal; maior liberdade que para vida contratual normal;
6. Deverá normalmente derivar de condicionamentos de tipo patológico que ao defeito da falta de liberdade interna;
7. Pode derivar também de circunstâncias transitórias e ocasionais que ofuscam a pessoa e a priva de liberdade para contrair;
8. A liberdade exigida para contrair livremente matrimônio é a psicológica, ou seja, isenção de quaisquer obsessões, influências, circunstâncias, pressões, ilusões...

No mesmo sentido, argumenta Paolo Bianchi, “... o consentimento, sob um prisma subjetivo, deve ser encarado como um ato da vontade. Tal faculdade, própria unicamente da pessoa, pressupõe a inteligência e torna efetiva a liberdade. Esta, de fato, só se pode concretizar em presença de um ato que seja “humano” – quer dizer, que se possa reconhecer como próprio da pessoa e de sua [natureza] imputável, por estar assentado sobre a base de uma compreensão - ao menos suficiente – de seu significado e de uma – também ao menos suficiente – liberdade de exercê-lo”.


          Continua o citado autor, “... É necessário não esquecer que a liberdade do homem é uma liberdade “histórica”, isto é, não absoluta ou desvinculada de todo condicionamento. Ao contrário, a visão cristã do homem, também inserida nessa historicidade da liberdade, sempre reconheceu e afirmou uma substancial possibilidade de liberdade para a pessoa. A liberdade é uma função própria à inteligência e ao desejo, ou seja, à capacidade de responsabilidade moral. Por isso, para que o consentimento matrimonial seja um ato psicológico – intrinsecamente suficiente, ele deverá basear-se, da parte da pessoa que o presta, em uma substancial disponibilidade e funcionalidade das faculdades da inteligência e da vontade devidamente conjugadas na complexa operação que é a decisão humana...” (cfr. BIACHI, Paolo. Quando o matrimônio é nulo? São Paulo: Paulinas, 2003, 340p.).

EXISTE SAÍDA OU SOLUÇÃO...?



Existem valores na vida que são absolutos, porém, mutáveis quanto à sua roupagem, vestimentas ou formas de existência. A indissolubilidade do casamento emerge como um valor absoluto, por lei natural. Há ainda hoje diversos questionamentos quanto a uma conceituação do que venha ser lei natural e ainda, alguns que fazem ou têm dificuldade em aceitar a existência de uma lei natural.

Para a filosofia cristã e o direito nela inspirado, se é que se pode argumentar assim, o direito natural, a lei natural nada mais será que a lei de Deus inscrita na natureza. Por isso, direito natural, lei natural.

Entende a doutrina, inclusive com base e fundamento na Sagrada Escritura, que a indissolubilidade do casamento, ou seja, que o casamento, uma vez celebrado, nenhuma lei humana o pode dissolver, nem mesmo a vontade dos cônjuges.

Existem valores que são relativos, isto é, ou são absolutamente mutáveis ou mutáveis em parte. Por exemplo, até pouco tempo atrás, não se admitia que alguém que já tivesse tido relação sexual com o futuro parceiro não podia e nem devia casar-se de véu, grinalda e vestido branco. Por certo, um valor imposto pela moral tradicional. Hoje, porém, este valor não existe mais e muitos dele não se lembram, ou nem sabem que existia.  Não que tenha deixado de existir o valor da virgindade em si, porque, mesmo que polêmico o assunto, a virgindade pré-matrimonial está contemplada como valor inserido dentro da vontade divina como elemento a ser preservado. E não será o desuso que o tornará valor relativo, não absoluto. O valor relativo de que aqui se fala é o uso e costume de quem perdeu a virgindade não poder se casar de branco.

E na assembleia dos santos que se estabeleceu sob a presidência de São José, na gruta já referida artigos atrás, já mais tarde da noite, perto da madrugada, quando o silêncio era total, até mesmo o movimento de veículos na rodovia cessou por mais de um quatro de hora, voltaram a falar. E desta feita, em matéria de virgindade, ninguém melhor que José e Maria para aconselhar.

José, muito tímido e delicadamente, disse: “Vejo que está muito difícil para os humanos deste tempo, diferente do nosso, manterem-se castos e puros de coração para se casarem. Entendo a dificuldade deles e até gostaria de fazer algo mais, mas impossível, porque temos que respeitar a intimidade das pessoas. Porém, gostaria de lhes dizer que as experiências sexuais pré-matrimoniais não são nada salutares. Particularmente, considerando que elas invertem a ordem estabelecida na natureza pelo Nosso Deus. Mas, de qualquer forma, gostaria que soubessem que um pouco de esforço pessoal, a fuga das ocasiões, a ajuda da oração e dos sacramentos lhes possibilitaria manterem-se castos e depois poderiam celebrar um matrimônio mais satisfatório e sem peso de consciência”. José dirigindo-se a Maria como quem a dizer, fala alguma coisa. 

Maria, sempre pronta atender aos pedidos de todos resolveu falar: “Casados terão dias muito melhores, se procurarem os valores que meu Filho Jesus ensinou. Se assim fizerem, podem ter a certeza de que eu vou ajudá-los muito e farei o impossível para o bem deles. Mas seria bom que levassem mais a sério a indissolubilidade do matrimônio e assumissem este compromisso”. 

E José retomando, disse: “Você Maria pode prometer porque é Mãe de Nosso Deus e deles também. Eu não posso prometer nada, a não ser dizer que vou interceder ao Filho por eles”.

Todos os outros santos, cujas imagens se encontravam naquela gruta, foram unânimes em concordar que os conselhos de José e de Maria eram absolutamente acertados. Santa Mônica, mãe de Santo Agostinho, chegou até dizer que Maria precisava mesmo fazer algo mais, porque Ela pode e tem competência para isso. 

Uma pessoa, não identificada, que se escondera em meio aos ramos vizinhos da gruta escutou este discurso e ficou impressionada. Há tempos estava já desconfiada de que os santos fazem isso mesmo. Quando as coisas vão muito mal na Terra, se reúnem para fazer algo em favor dos humanos. E hoje ela acredita que isso é verdade. Eis, pois!

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

DEPOIS DE MUITO...



Tinha quinze anos de idade quando o conheceu. Ele tinha rosto de menino e cabeça de adolescente, com apenas 16 anos. Viam-se no colégio, onde ela cursava a primeira série do Ensino Médio e ele a segunda, mas de turmas diferentes. Ela comentava sempre com uma colega de turma, tida como sua irmã e falava dele como seu príncipe encantado. Sentia louca paixão por ele, porém, ele estava interessado numa colega de sala que não lhe dava a mínima.
 
Festa da cidade, noite de início de inverno, ambos de família simples, tiveram a primeira oportunidade de se encontrarem e, poucos minutos depois, já estavam aos beijos a abraços, ela louca paixão e ele louca atração. E assim, mesmo a contra gosto dos pais, iniciaram uma inter-relação de “ficar”, na qual, dia após dia, esqueceram os amigos, ele os seus, ela até mesmo a colega tida como irmã. Grudados um no outro de louca paixão, louca atração por menos de um ano, ora na casa dos pais dela, ora na dele. O pai dela continuou com as restrições de tempo e lugar para o namoro que visualizava como avançado e inaceitável. Mas, falar pouco resolvia e manifestar-se contrário tornava-se um pesadelo. De repente, ausência da menstruação de três meses, com enjôo e apetite redobrada. Comentou com a mãe e esta logo entendeu que seria avó em breve. Exame ginecológico imediato trouxe como resultado gravidez de quatro meses. E agora, ela com dezesseis anos de idade, grávida. Contar para o pai? O rapaz, com dezessete, soube por primeiro, abandonou os estudos, eufórico, contou para os amigos que ia ser pai e casar. Desempregado, sem qualificação, arranjou um emprego numa serraria, ganhando um mínimo.

A reação do pai foi violenta. Trancou-se para a filha durante quinze dias e, procurado pelos pais do rapaz, respondeu apenas, que se não se casassem, o rapaz nunca veria o filho também porque não admitia ter em casa uma filha mãe solteira.
Logo, as duas mães dos adolescentes trataram de arranjar meios para a celebração do contrato civil do casamento e a celebração do matrimônio na Igreja e que fosse o padre o assistente eclesiástico, testemunha qualificada para o matrimônio, ministro leigo, não servia. O pai dela queria a celebração do matrimônio, mas não quis se submeter à vergonha de ter que assinar em juízo pela supressão de idade. Então, celebração do contrato civil do casamento depois, matrimônio na igreja com pressa, para não aparecer a gravidez, até mesmo com assistente eclesiástico uma testemunha qualificada, isto é, um leigo preparado para tal ministério.

Casados, foram morar num barraco nos fundos da casa dos pais dela. Ele durante o dia trabalhava e ela em casa. À noite, ele em casa, ela no Colégio dando continuidade aos estudos da Escola Média. Ele, vez ou outra, chegava a casa mais tarde que de costume. Com seus colegas de infância e de colégio, paravam no Bar Bola Cheia. Conversa vai, cerveja vem, os dias se tornaram poucos para se encontrar com os amigos no Bar Cheio de Bola. E, da Serraria onde trabalhava para casa, às vezes, chegava a sua casa madrugada rolando. Tornou-se alcoólatra, o trabalho na Serraria não mais rendia. Inquirido por ela por que das madrugadas rolando, bafo de álcool emitindo, dizia estar a conversar com seus amigos. Pouco depois, sadio e cheio de vida nasceu Vitório, que ele nem viu, porque se divertia noite adentro com seus amigos. O orgulho de antes, se transformara em pesadelo de mais uma boca para alimentar, com o mínimo que ganhava. Da louca paixão e louca atração, aos desentendimentos até chegar às vias de fato, isto é, aos tapas.

Este caso também é fictício. Casamentos como estes jamais podiam ser celebrados. Um casamento de dois adolescentes absolutamente despreparados, imaturos ou sem juízo, tanto que não tiveram estrutura suficiente para se manterem na constância matrimonial. Em casos como estes, será que cabe o argumento de que o que Deus uniu o homem não separe? Por certo, que não. Deus não poderá ter unido alguém que não tinha capacidade para celebrar um contrato tão sério e grave como o é o sacramento do matrimônio. Improvável e impensável uma aliança matrimonial inconsequente e irresponsável como nestes casos. Eis, pois!

O CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO.


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Acenos Históricos.
  Desde os tempos da Igreja primitiva, foi costume fazer coleções dos sagrados cânones, a fim de facilitar-lhes o conhecimento, uso e observância, sobretudo dos ministros sagrados, como já advertia o Papa Celestino em carta aos Bispos constituídos na Apúlia e Calábria, em 21 de julho de 429 e dizia: “a nenhum sacerdote é lícito ignorar seus cânones”. A estas palavras faz eco o 4º Concílio de Toledo, no ano de 633, o qual prescrevera, após a restauração da disciplina da Igreja, libertada do arianismo, no Reino dos Visigodos: “Os sacerdotes conhecem as escrituras sagradas e os cânones”, porquanto a “ignorância, mãe de todos os erros, deve ser evitada, principalmente nos sacerdotes de Deus” (cfr. Cânone 25). 
  O Direito Canônico está para a justiça, assim como e com certeza, ambos estarão para o perdão. Este se constitui no cerne do Mistério da nossa Redenção. Foi pela infinita misericórdia do Senhor Deus do Antigo Testamento que no Novo Cristo Deus se faz homem para a nossa justificação cumprindo toda a justiça, chama à conversão todos os que dela necessitam e suscita essa conversão (Lc 9,1-10), revelando que Deus é um Pai cuja alegria consiste em perdoar (Lc 15). Jesus não somente anuncia esse perdão ao qual a fé humilde se abre, ao passo que o orgulho se lhe fecha (Lc 7,47-50; Ele o exerce e por suas obras atesta que dispõe deste poder reservado a Deus (Mc 2,5-11=Jo 5,21)).
I – O DIREITO CANÔNICO
  O Direito Canônico comporta dois polos, um coletivo, outro individual. Ele é ao mesmo tempo a ordem que rege o conjunto das relações humanas no interior duma comunidade, e também o reconhecimento de possibilidades determinadas garantido a cada indivíduo. Toda comunidade possui seu direito próprio, caracterizado pela maneira em que ela define e assegura os direitos pessoais de seus membros. A comunidade de Israel não só tem o seu, senão que dele se orgulha e o considera como um dos favores mais preciosos que recebeu de Deus (Dt 4,6ss).
  Através de toda a Sagrada Escritura a associação de direito e justiça assinala uma exigência permanente da consciência. É essa a pregação dos Profetas (Am 5,7.24; Is 5,7.16; Jr 4,2); é a lição dos sábios (Pv 2,9); é um dos aspectos mais importantes da esperança messiânica (Is 1,27; 11,5; 28,17). E o primeiro a realizar tal ideal é o próprio Deus (Sl 19,10; 89,15; 119,7). “Aquele que fixa o direito de toda a terra não seria capaz de violar o direito” (Gên 18,25).
   Já no Novo Testamento, a alusão ao direito e à justiça é uma reafirmação do que o Antigo Testamento estabelecia, aperfeiçoado pelo Evangelho. A norma áurea deste prescreve, com efeito: “Tudo que desejais os outros façam por vós, fazei-o vós mesmos por eles” (Mt 7,12). O mandamento próprio de Jesus é: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jô 13,34) Aí não há nada que esteja abolindo ou diminuindo a atenção ao direito de cada qual exigida pelo Antigo Testamento. O que há é uma inspiração nova, o apelo a identificar-se com o outro, uma preocupação de partilha e de comunhão até o sacrifício total. Só o amor, em última análise, fundamenta o direito.
  Sem se prender excessivamente à etimologia do termo direito, que deriva imediatamente do latim, directum, muito embora no Direito Romano o vocábulo utilizado para exprimir o direito era outro e atualmente, os filósofos e juristas atribuem ao termo “ius” latino uma dupla origem provável. Alguns crêem que esta palavra procede da raiz sânscrita “ju”, que expressa a idéia de vínculo ou união. Outros preferem faze-la derivar da forma indo-germânica “yos” ou “yaus”, com a significação de bom, santo, puro, pertencente à divindade, felicidade religiosa. Daqui a palavra “iurare” (=jurar). Segundo esta etimologia, o direito, “ius” significava a vontade divina. Mas o uso distinguiu entre lei e vontade divina (fas) e lei humana (ius).
  Na língua grega a idéia de direito (ius) se expressa com dois termos: (Zémis), que significa o direito divino (fas); e (Nómos), termo que designa a lei humana (lex). Ao passo que a idéia de justiça vem expressa com a palavra (dike), ou seja, com a significação de indicar, porque justiça em grego, como a termo direito, indica-se a direção ou linha reta que se devem seguir as ações humanas. A justiça adquire um conceito mais fundamental que o mesmo direito, ou seja, considera-se a justiça como a base do direito.
  A título de referência, a concepção católica do direito se baseia no direito natural e na lei eterna. Parte-se do pressuposto de que existe uma conexão e dependência que todo o direito tem da lei eterna e a conexão mais concreta com o direito positivo. Assim sendo, pode-se oferecer a seguinte conceituação geral e unitária do direito: “É a realização da justiça divina na conduta social humana, mediante um sistema de normas obrigatórias e coativas, geradoras de faculdades e deveres”. Tal definição contém todos os elementos do direito. Seu objeto e fim: a realização da vontade divina; sua causa eficiente: a norma jurídica (lei, costumes...). A causa formal: a faculdade moral adquirida pelo sujeito de direito.
  Acertadamente escreveu Renard: “O direito positivo é uma aproximação da justiça e do direito natural”. Também Giorgio Del Vecchio considera o direito como realização da justiça, quando afirma “que a justiça se reflete variadamente em todas as leis, mas sem se esgotar em nenhuma delas”, muito embora, entenda a justiça como paradigma e modelo ideal do direito positivo.
II – CANONISTAS E ESTUDIOSOS DO DIREITO
 Os canonistas e estudiosos do direito, em vez de uma definição genérica e unitária do direito, elaboraram conceito ou definições de cada uma das três formas ou elementos de um mesmo direito. Penso que interessa aqui ater-nos especificamente na significação objetiva do direito, que diz que é aquele que dá a cada um o que lhe pertence por título de justiça, seja comutativa, legal ou distributiva, como meio necessário ou condizente à realização do fim assinalado por Deus, que é, em definitivo, a salvação eterna. Portanto, em sentido objetivo o direito é aquele que cada um pode chamar seu. Neste sentido, a vida, a honra, a liberdade, inclusive a de trabalhar, são nossos direitos. Completando, direito em sentido objetivo, pode-se dizer, é todo aquilo que a cada um lhe pertence estritamente ou por título de justiça na ordem social, segundo o direito divino ou o direito humano, em conformidade com o divino. “Nihil est in temporali lege iustum, diz Santo Agostinho, quod lege aeterna non derivetur”. Isto é, não é válido o direito que não é justo, porque carece de seu próprio objeto e de força obrigatória.
  O direito deve ser racional e inviolável. São, como que, duas propriedades essenciais do direito. Racional porque, do contrário, o direito humano não seria conforme a natureza humana, cujas relações sociais deve dirigir. Como exprime Santo Tomás de Aquino, o Direito em geral, como a lei, é essencialmente “ordinatio rationis” (=ordenação da razão). Para que o direito seja racional, antes de tudo, deve ser justo e possível. Inviolável, porque requer de cada cidadão o respeito à jurisdição e comando da lei, elementos que atuam na disciplina da vida do indivíduo e da sociedade como um todo. Não é justo fazer justiça com as próprias mãos, se existe a lei para regular e disciplinar a vida pessoal e comunitária, recordando que a lei constituída é direito.
  O direito não consiste no fato consumado. O fato não é lei, mas que há de ser regulado pelo direito, a verdadeira norma. Do fato, juntamente com o direito objetivo ou causal, nasce o direito subjetivo. Tão pouco consiste o direito na força maior. A força coativa unicamente serve para garantir a obrigatoriedade do direito.
  Ao direito racional se opõe o arbitrário. Um mandato pode ser legítimo por sua origem e, por sua vez, arbitrário por seu conteúdo caprichoso, sem sujeição a nenhuma regra ou princípio.
 O direito deve ser inviolável. Primeiramente, porque impõe uma obrigação moral que necessariamente se deve cumprir. Nisto coincide a obrigação jurídica com a obrigação moral. Mas o direito goza de uma especial garantia externa de inviolabilidade, enquanto que o seu cumprimento se pode exigir pela força judicial ou a imposição de sanções que reparam o dano causado e previnem novas infrações.
  Ainda que se afirme que o direito é coativo, não existe uma sentença unânime sobre se a coação seja elemento essencial ou somente integrante do direito. Mas isto não nos convém debater aqui, por se tratar de tema ainda polêmico; penso deva ser deixado para debates e reflexão entre os doutrinadores e estudiosos do direito para ulterior conclusão, se for o caso.
III – O DIREITO NATURAL
 Ainda em nosso tempo existe quem questione acerca do direito natural ou da lei natural. Também esta questão não deve se constituir em debate nesta oportunidade, até porque, aqui não é esse nosso objetivo e nem tem como fórum para tanto.

 Mas o direito natural é definido por Santo Tomás de Aquino, como: “participatio legis aeternae in rationali creatura”. Pode-se dizer: trata-se da lei divina infundida na natureza e particularmente, na natureza humana. 
 Ou ainda, o conjunto de normas que procedem da vontade necessária de Deus e estão expressas na natureza humana acerca das exigências da natureza racional. Na realidade ou entitativamente, o direito não se diferencia da lei eterna, mas que a mesma lei eterna se denomina lei ou direito natural enquanto recebida no e pelo homem.  
  O direito natural tem suas notas essenciais: 1. Vontade divina e, 2.  Manifestação desta mesma vontade. Vontade divina que manda o que é exigido pela natureza humana e manifestação da vontade divina na mesma exigência intrínseca da natureza humana ou na necessária conformidade com ela. 
  Propriedades essenciais do direito natural são:
1. A moralidade intrínseca por razão de seu objeto: a unidade e a universalidade, porque é um mesmo para todos os homens sem exceção, até porque está fundamentado na natureza humana;
2. Perpetuidade, pela mesma razão; 
3. Cognocibilidade, acerca do supremo princípio que ensina e imutabilidade, ou seja, pode-se dar a mutabilidade impropriamente dita, que tem lugar quando não é a lei que muda, mas sua forma de aplicação.
  O direito existe, por certo, para regular as relações entre os seres humanos. E sabemos que a vida humana é, essencialmente, convivente; a existência humana é existência compartilhada, Mit - Dasein, coexistência e convivência, até porque, o homem que é pessoa, se constitui em e na relação com os demais, também porque está aberto ao outro, ideia que pode ser considerada patrimônio comum da filosofia atual.   
Assim, pode-se afirmar que o instinto agressivo como é não pode predominar e nem se converter no que chamamos de autêntica “convivência”, mas sim que deve predominar a força do direito sobre as consciências.
IV – AS COLEÇÕES
  No decorrer dos dez primeiros séculos, floresceram, em diversos lugares, numerosas coletâneas de leis eclesiásticas, quase sempre compiladas por iniciativa particular. Elas continham principalmente as normas emanadas dos Concílios e dos Romanos Pontífices, Os Papas, como também outras tiradas de fontes menores. Na metade do século XII, o acervo de coleções e normas, não raro contrárias entre si, novamente por iniciativa particular, foi organizado pelo monge Graciano, com o objetivo de estabelecer a concordância das leis e coleções. Essa concordância, denominada ulteriormente Decretum Gratiani, constituiu a primeira parte da grande coletânea de leis da Igreja que, a exemplo do “Corpus Júris Canonici” do Imperador Justiniano, foi chamada de “Corpus Júris Canonici” e continha as leis dadas durante quase dois séculos pela suprema autoridade dos Romanos Pontífices, com a ajuda de peritos em Direito Canônico, chamados glosadores. Esse Corpus, além do Decreto de Graciano, que continha as leis anteriores, consta do Líber Extra do Papa Gregório IX, do Líber VI do Papa Bonifácio VIII, das Clementinas, isto é, da coleção do Papa Clemente V, promulgada pelo Papa João XXII, acrescidos das Extravagantes deste Pontífice e das Extravagantes Communes, Decretais de vários Romanos Pontífices nunca reunidas em coleção autentica. O direito eclesiástico, contido nesse Corpus, constitui o direito eclesiástico clássico da Igreja Católica, sendo comumente assim chamado.
  As leis posteriores, principalmente as do tempo da reforma católica, dadas pelo Concílio de Trento (1545-1563) e promulgadas posteriormente por vários Dicastérios da Cúria Romana (esta tem várias repartições que ajudam os Papas no governo da Igreja Universal), nunca foram reunidas numa coletânea única. Esse o motivo, com o correr dos tempos, tornou a legislação paralela ao Corpus Júris Canonici, um “imenso acúmulo de leis sobrepostas umas às outras”. Não somente a desordem como a incerteza unida à inutilidade e lacunas de muitas dessas leis fizeram com que a própria disciplina da Igreja enfrentasse uma crise cada vez maior.
V – O CONCÍLIO VATICANO I E O CÓDIGO PIO-BENEDITINO
 Em vista disso, já na fase preparatória do Concílio Vaticano I (1869/1879), muitos Bispos solicitaram que se fizesse uma nova e única coleção de leis, a fim de se poder atender com maior certeza e segurança à cura pastoral do Povo de Deus. Como tal trabalho não pudesse ser realizado pelo Concílio, a Sé Apostólica, com nova ordenação das leis, atendeu em seguida somente às questões mais urgentes que atingiam mais de perto a disciplina. Afinal, o Papa Pio X (1904-1914), logo ao iniciar o seu Pontificado assumiu a tarefa, propondo-se coligir e reformar todas as leis eclesiásticas, determinou que o trabalho fosse levado a termo sob a coordenação do Cardeal Gasparri, homem dotado de grande saber jurídico e profundo conhecedor das leis canônicas.
VI – O MÉTODO CIENTÍFICO
  A primeira questão enfrentada foi de qual sistema de codificação seria usado e decidiram-se usar o sistema moderno, método científico. 
  Ciência se faz com abstração, dialética, universalismo, a unidade externa (universalidade do Ordenamento Canônico), a unidade interna (sua coerência), estruturação sistemática de tantos elementos acumulados e escassamente elaborados durante os onze primeiros séculos da Igreja. E foi o monge Graciano o criador da Ciência Canônica, por isso, chamado de Pai de Ciência Canônica.  
  Assim, os textos que continham preceitos, receberam nova e mais breve redação. Toda a matéria foi estruturada em 5 livros, imitando substancialmente o sistema das instituições do direito romano, com o esquema: sobre as pessoas, as coisas e as ações, como ainda encontramos fortes resquícios no Direito Pátrio. O trabalho foi concluído em 12 anos, com a colaboração de peritos, consultores e bispos de toda a Igreja. O proêmio do cânone 6 enuncia claramente a índole do novo Código: “ O Código mantém, as mais das vezes, a disciplina vigente até o momento, embora introduza oportunas modificações”. Não se tratava, pois, de criar novo direito, mas primordialmente, organizar, de forma nova, o direito até então vigente. Falecendo o Papa Pio X, essa coleção universal, exclusiva e autentica, foi promulgada por seu sucessor, o Papa Bento XV(Governou a Igreja de 1914-1920), a 27 de maio de 1917, entrando em vigor a 19 de maio de 1918.
  O direito universal do Código Pio - Beneditino foi bem aceito pelo consenso geral de todos. Ele contribuiu em muito para a promoção eficaz, em toda a Igreja, da pastoral que entrementes tomava novo impulso. Não obstante, tanto as condições externas da Igreja no mundo contemporâneo, sacudido em poucos decênios por transformações tão rápidas e mudanças profundas nos costumes, quanto as condições internas da comunidade eclesial em contínua evolução, fizeram com que, cada dia mais, se tornasse necessária e fosse solicitada nova reforma das leis canônicas. O Papa João XXIII percebera claramente esses sinais dos tempos. Com efeito, ao mesmo tempo em que dava a primeira notícia do Sínodo de Roma e do Concílio Ecumênico Vaticano II, a 25 de janeiro de 1959, anunciava que estes acontecimentos seriam necessariamente preparação de desejada renovação do Código.
VII – O CÓDIGO ATUAL
   A Comissão de revisão do Código de Direito Canônico foi constituída a 28 de março de 1963, quando já havia iniciado o Concílio Ecumênico Vaticano II. Mas os membros Cardeais reunidos chegaram à conclusão de que os trabalhos de revisão e renovação do Código só poderia começar ao término do Concilio. Assim, aproximando-se do fim o Concílio, já em presença do Papa Paulo VI, realizou-se uma sessão solene a 20 de novembro de 1965, quando se inaugurou publicamente os trabalhos de revisão do Código de Direito Canônico.
  O Papa Paulo VI (1963-1978) lançou os fundamentos de todo o trabalho, dizendo que o Direito Canônico promana da natureza da Igreja; que sua raiz repousa no poder de jurisdição conferido por Cristo à Igreja; que sua finalidade deve ser posta na cura das almas para alcançar a vida eterna. O Papa ilustrou a índole do direito da Igreja, defendeu sua necessidade contra as objeções mais comuns, acenou a história do desenvolvimento do direito e das coleções, e acima de tudo, ressaltou a urgente necessidade da nova revisão, para ajustar convenientemente a disciplina da Igreja às novas condições da realidade.
Muitos perguntam, por que a Igreja tem um Código de leis, um Ordenamento Jurídico?
   A Igreja Católica é uma realidade social, ainda que tal afirmação não esgote todo seu ser, onde há sociedade, há direito (Ubi societas, ibi ius). Eis aqui o fundamento do Direito Canônico. Trata-se de um Ordenamento Jurídico para uma sociedade bem organizada e estrutura com leis proprias.
   A Igreja católica é uma sociedade formada por pessoas humanas, uma universalidade de pessoas e coisas, particularmente, coisas espirituais, sobrenaturais. E a realidade humana é o espaço no qual se vive o existir histórico de cada pessoa. A existência histórica da pessoa humana é constituída de uma inumerável variedade de experiências e entre elas, torna-se relevante a experiência jurídica.  E sem querer fazer uma reflexão filosófica, mas, temos que admitir que como a existência é uma experiência humana constante, portanto, uma nova compreensão  do direito, que na sua articulação sistemática dos pressupostos, dos seus conteúdos, de seus objetivos, das suas implicações, configura-se como uma antropologia jurídica.
  Outros ainda perguntariam: Para uma sociedade humana com objetivos claros e tão somente espirituais, sobrenaturais, como o é a Igreja Católica, não bastariam os Evangelhos a regular e disciplinar a conduta e a vida de seus membros, discípulos e missionários de Cristo?
  Responde-se: Nos Evangelhos está contido todo acervo do direito divino, mas eles não obrigam, não exigem, não coagem. O Ser humano tem necessidade de leis disciplinadoras, reguladoras da conduta, leis positivizadas, seja do comportamento e das relações do ser humano com a divindade, seja do comportamento e das relações dos membros da sociedade chamada Igreja entre si. O direito divino contido nos Evangelhos precisa ser positivizado e porque são princípios genéricos que necessitam ser especificados por uma concretização, sem chegar ao individual, sirva à sociedade como norma geral de comportamento social. Eis a razão pela qual a Igreja hoje dispõe de um Ordenamento Jurídico próprio.
  O atual Código de Direito Canônico está sustentado sobre dois pilares que deveriam presidir todo o trabalho de reforma, como de fato, aconteceu: Em primeiro lugar, a fidelidade à tradição jurídica da Igreja, ou seja, o direito antigo. E segundo, as orientações emanadas pelo Concílio Ecumênico Vaticano II.
  O Código de Direito Canônico atual foi promulgado pelo Papa João Paulo II, aos 25 de janeiro de 1983, depois de uma longa revisão e aprimoramento de vinte (20) anos, adaptando-o aos tempos modernos e entrou em vigor no dia 28 de novembro do mesmo ano.
 O Código anterior compunha-se de cinco (05) livros e o atual de sete (07). São normas que possibilitam aos fiéis seguidores de Cristo na Igreja, para que vivam em constante fidelidade ao seu divino Fundador, o próprio Cristo e a Igreja cumpra sua missão salvífica, confiada por Ele, Nosso Senhor Jesus Cristo. Então veja-se:
 O Livro I: Normas Gerais.
 Este livro apresenta as disposições gerais, que dizem respeito, sobretudo, às fontes do direito e, inicialmente, os cânones preliminares 1-7, dizem respeito à extensão e ao valor da legislação.
 Em seguida, as leis eclesiásticas comuns, normas sobre os costumes, decretos emanados pela autoridade eclesiástica, os atos administrativos singulares, normas gerais sobre estatutos e regulamentos, normas sobre os atos jurídicos, normas sobre o poder de governo na Igreja, sobre os ofícios eclesiásticos, normas sobre prescrição e sobre o cômputo do tempo.
O Livro II: Sobre o Povo de Deus, em três partes.
  I - Trata-se nada mais que do Estatuto Jurídico do Povo de Deus, direitos e obrigações de todos os fiéis cristãos, direitos e obrigações dos fiéis leigos, direitos e obrigações dos clérigos, normas sobre as dioceses pessoais, ao contrário das dioceses territoriais, normas sobre as associações de fiéis;
 II - Normas sobre a constituição hierárquica da Igreja e sobre a suprema autoridade na Igreja, normas sobre as dioceses e as conferências episcopais (dos Bispos); 
III - Normas sobre os institutos de vida consagrada, sociedades de vida apostólica, institutos seculares.
O Livro III – A função de ensinar na Igreja.
 Normas sobre o ministério da palavra divina, sobre a atividade missionária, sobre a educação católica, sobre os meios de comunicação social e especialmente os livros e, por fim, normas sobre a profissão de fé.
O Livro IV – Sobre a função de santificar da Igreja (Sacramentos e outros atos do culto divino), em três Partes.
 I - Normas sobre o Batismo, Crisma, Eucaristia, Penitência, Unção dos Enfermos, Ordem e Matrimônio;
II – Normas sobre os demais Atos do Culto Divino;
III – Normas sobre os lugares e tempos sagrados.

 O Livro V – Sobre os bens temporais da Igreja.
 Normas sobre a aquisição dos bens temporais, sobre a administração dos mesmos, sobre os contratos e principalmente sobre a alienação dos bens temporais; normas sobre as vontades pias e as fundações pias.
 O Livro VI – Sobre as sanções na Igreja, em duas partes.
   I – Normas sobre os delitos e penas em geral; normas sobre os castigos dos delitos em geral, normas sobre a lei penal e os preceitos penais, normas sobre o sujeito passivo das sanções penais, sobre aplicação destas e sobre sua cessação.
  II – Normas sobre penas para cada um dos delitos; delitos contra a religião e a unidade da igreja, delitos contra as autoridades da Igreja e sobre delitos contra a liberdade da Igreja; normas sobre a usurpação das funções eclesiásticas e sobre os delitos no exercício das mesmas; normas sobre o crime de falsidade e sobre delitos contra as obrigações especiais; normas sobre os delitos contra a vida e a liberdade do ser humano e normas gerais sobre todos os retro mencionados delitos.
O Livro VII – Sobre os processos, em cinco (05) partes.
 I – Normas sobre os juízos em geral;
 II – Normas sobre o juízo contencioso Ordinário: Introdução, contestação, instância judicial, causas incidentais, publicação, conclusão e discussão da causa, pronunciamento do juiz, impugnação da sentença, coisa julgada e restituição ‘in intergrum’, custas judiciais e patrocínio gratuito, execução da sentença. Normas sobre o processo contencioso oral (na verdade, um processo sumário).
 III – Sobre alguns processos especiais.
  Normas sobre o processo para declaração de nulidade de matrimônio; causas para declaração da nulidade da ordenação sacerdotal e sobre os modos de evitar os juízos.
 IV – Sobre o processo penal;
 Normas sobre a investigação prévia, desenvolvimento do processo e sobre a ação para ressarcimento de danos.
 V – Normas sobre o procedimento nos recursos administrativos e na remoção e translado de Párocos; recursos contra os decretos administrativos e o procedimento para a remoção e translado de Párocos.
FINALIZANDO
  Além de todo este aparato normativo, devem-se destacar as normas complementares emanadas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que foram aprovadas pela Suprema Autoridade da Igreja e se tornaram normas obrigatórias.
   As normas sobre a Beatificação e Canonização dos Santos são extracodiciais e tidas como uma legislação especial, até porque, não se trata de um verdadeiro processo, até porque, nele não existe a litiscontestação e, portanto, desfigurado como um processo no sentido do termo, mas composto de procedimentos bem definidos, com uma fase diocesana e posterior fase junto da Sé Apostólica. Sé Apostólica compõe-se da pessoa do Papa e dos diversos organismos da Cúria Romana que auxiliam o Papa no governo da Igreja no mundo inteiro.
   Termino, primeiro dizendo que tudo isso tem como objetivo aquilo que se encontra no último cânone do Código de Direito Canônico, o cânone 1752: “... A salvação das almas é a lei suprema da Igreja...”.
 
  Por fim, um inusitado fato da história do Reino de França. A Princesa Luíza, filha de Luiz XV, Rei de França, que educou muito bem e cristãmente seus numerosos filhos, maltratava muito sua camareira e um dia chegou até dar-lhe uma tapa no rosto. A moça que suportava tudo com humildade, desta vez resolveu reagir e disse à Princesa: “Vossa Alteza não devia ter feito isto! Não fica bem para uma Princesa e muito menos para uma cristã”. “Olhe com quem está falando”, respondeu-lhe Luiza, “Quem é você para me responder? Sou filha do seu Rei, está ouvindo?” E eu sou filha do Seu Deus, Alteza, não se esqueça!”, respondeu a camareira. 
No dia seguinte, Luiza chamou sua camareira, que atendeu ao chamado com medo de complicações sérias pelo que disser
“Estive conversando com meu pai... disse a princesa. A partir deste dia você passa de simples camareira a uma das damas da corte... Mas só isto não basta, quero ainda que me perdoe”.
João Graciano e sua Obra como estudioso do Direito.
a) Contexto Histórico: Na Igreja sempre houve leis. Os séc. XI e XII caracterizam-se como uma época de muitas e grandes transformações na história e na própria constituição da Igreja Católica. O fato mais importante foi a Reforma Gregoriana como esforço da Igreja para reassumir o poder sagrado, usurpado em parte, pelo poder civil (Luta das investiduras = posse de algum cargo) e para coibir a simonia e o concubinato dos clérigos, e assim restaurar a disciplina eclesiástica. Essa Reforma, cujo início se deve à ação do papa Leão IX, foi continuada por Nicolau II e teve o seu ponto culminante no pontificado de São Gregório VII (1085).
  Com a força de santidade e firme coragem, Gregório VII conseguiu dobrar a prepotência de Henrique IV e iniciou-se assim a recuperação do poder sagrado que, abusivamente, era exercido pelos príncipes temporais. É verdade que tal luta só foi, em parte vencida no ano de 1122, pela concordata de Worms, ratificada (confirmada) pelo Conc. Lateranense III, sob a autoridade do papa Calixto II, no ano de 1123. Em conseqüência dessa situação toda, emerge o papa, como autoridade suprema da Igreja, independente das influências políticas do Imperador.
  Com a Reforma Gregoriana a Igreja consegue a sua liberdade, sua independência dos poderes seculares e, inclusive, a supremacia sobre eles, o que lhe permite agir em todos os reinos da cristandade medieval, especialmente para promover a reforma e incentivar as Cruzadas. Isto constituía o papado, não só como árbitro supremo dentro da cristandade medieval, mas como o mais autorizado porta-voz diante dos poderes estranhos ao catolicismo romano, tais como Bizâncio e o Islam. É esse o momento áureo do cristianismo medieval. Período rico de grandes desenvolvimentos nas artes, na cultura, na política, na teologia, no direito etc. Surge então a especulação teológica a que se dá o nome de Escolástica, com as sentenças de Pedro Lombardo. É, nesse contexto, que nascem Graciano e sua obra monumental chamada “Decretum Gratiani”.
b) O Homem, o Autor: João Graciano era um monge camaldulense, do qual até hoje se ignoram o lugar e a data do seu nascimento e morte. Há suposição de que tenha sido professor no Mosteiro de São Félix e São Nabor, em Bolonha. Talvez tenha falecido antes do Conc. Lateranense III (1179).
  Segundo uma lenda mencionada por Van Hove, Graciano, pai da Ciência Canônica; Pedro Lombardo, pai da Teologia Escolástica, e Pedro Comilão (sic!), pai da História Eclesiástica, eram irmãos uterinos, gerados de um adultério. Diz a lenda ainda que Graciano tenha habitado no Mosteiro de São Próculo, dos monges beneditinos em Bolonha e que tenha sido sagrado bispo. Esse homem cujas origens e vida são obscuras, foi autor de uma obra extraordinária, sob a qual faremos alguns comentários.
c) A Obra de Graciano: É conhecida como “Decretum”, chamada de “Decretum Gratiani”. O seu conteúdo veio de diversas fontes. Aí encontramos matérias jurídicas, moral, dogmática, patrística, escriturística etc. Graciano serviu-se de textos dos Santos Padres e escritos eclesiásticos: de fragmentos do direito romano, da lei dos visigodos, dos bárbaros, das capitulares dos reis francos, das constituições dos Imperadores germânicos etc. De toda essa ceara jurídica, acumulada em mais de milênio, Graciano recolheu cerca de dez mil textos, que após duro trabalho de seleção, reduziram-se a 3.900.
d) Conclusão: Graciano e seu Decreto são frutos maduros de uma longa caminhada. Pelo método que usou, o seu Decreto é verdadeiramente um tratado científico. Começa com ele um novo período do Direito Canônico, novo em muitos aspectos, principalmente se o comparamos com o primeiro milênio do cristianismo, no qual imperam o impirismo, o particularismo e a dispersão. Com Graciano entramos no período clássico do Direito Canônico, no qual impera a abstração, a dialética, o universalismo, a unidade externa (universalidade do Ordenamento Canônico), a unidade interna (sua coerência), a estruturação sistemática de tantos elementos acumulados e escassamente elaborados durante os onze primeiros séculos da Igreja. O “Decretum Gratiani”, com que se inicia a idade clássica do Direito Canônico (1140) representa a síntese superadora dos textos canônicos do primeiro milênio e é o ponto de partida do trabalho científico pelo qual, com razão, se dá a Graciano o título de o pai da Ciência Canônica. Antes de Graciano existia Direito Canônico. Com Graciano começa a Ciência do Direito Canônico. As demais coleções do primeiro milênio passam a ser objeto de história. O trabalho de Graciano é comparado ao trabalho, também pioneiro, de Pedro Lombardo, em relação à Teologia Escolástica.
  Como Coleção privada, nascida para uso nas escolas e nos Tribunais, o Decreto de Graciano não goza de nenhuma autoridade legal. Nem sequer recebeu essa autoridade quer do papa, quer do Direito Consuetudinário. Os textos que Graciano cita conservam seu valor, que deve ser considerado, segundo a autoridade e importância que tinham, cada um separadamente, sem adquirir nova forma legal pelo fato de se encontrarem no Decreto. Todavia, embora sem aprovação oficial, o Decreto, que foi usado por longo tempo, como texto básico para o ensino do Direito Canônico nas escolas, adquiriu um grande peso, “ex autoritate docentis”.
 Embora sendo uma coleção privada, o Decreto de Graciano faz parte do “Corpus Iuris Canonicis”, o conjunto de leis que, durante séculos, vigorou na Igreja e que ainda hoje, após as duas codificações canônicas (1917 e 1983) continua a ser fonte preciosa para o estudo e conhecimento do Direito e das Instituições da Igreja Católica.