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terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO.


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Acenos Históricos.
  Desde os tempos da Igreja primitiva, foi costume fazer coleções dos sagrados cânones, a fim de facilitar-lhes o conhecimento, uso e observância, sobretudo dos ministros sagrados, como já advertia o Papa Celestino em carta aos Bispos constituídos na Apúlia e Calábria, em 21 de julho de 429 e dizia: “a nenhum sacerdote é lícito ignorar seus cânones”. A estas palavras faz eco o 4º Concílio de Toledo, no ano de 633, o qual prescrevera, após a restauração da disciplina da Igreja, libertada do arianismo, no Reino dos Visigodos: “Os sacerdotes conhecem as escrituras sagradas e os cânones”, porquanto a “ignorância, mãe de todos os erros, deve ser evitada, principalmente nos sacerdotes de Deus” (cfr. Cânone 25). 
  O Direito Canônico está para a justiça, assim como e com certeza, ambos estarão para o perdão. Este se constitui no cerne do Mistério da nossa Redenção. Foi pela infinita misericórdia do Senhor Deus do Antigo Testamento que no Novo Cristo Deus se faz homem para a nossa justificação cumprindo toda a justiça, chama à conversão todos os que dela necessitam e suscita essa conversão (Lc 9,1-10), revelando que Deus é um Pai cuja alegria consiste em perdoar (Lc 15). Jesus não somente anuncia esse perdão ao qual a fé humilde se abre, ao passo que o orgulho se lhe fecha (Lc 7,47-50; Ele o exerce e por suas obras atesta que dispõe deste poder reservado a Deus (Mc 2,5-11=Jo 5,21)).
I – O DIREITO CANÔNICO
  O Direito Canônico comporta dois polos, um coletivo, outro individual. Ele é ao mesmo tempo a ordem que rege o conjunto das relações humanas no interior duma comunidade, e também o reconhecimento de possibilidades determinadas garantido a cada indivíduo. Toda comunidade possui seu direito próprio, caracterizado pela maneira em que ela define e assegura os direitos pessoais de seus membros. A comunidade de Israel não só tem o seu, senão que dele se orgulha e o considera como um dos favores mais preciosos que recebeu de Deus (Dt 4,6ss).
  Através de toda a Sagrada Escritura a associação de direito e justiça assinala uma exigência permanente da consciência. É essa a pregação dos Profetas (Am 5,7.24; Is 5,7.16; Jr 4,2); é a lição dos sábios (Pv 2,9); é um dos aspectos mais importantes da esperança messiânica (Is 1,27; 11,5; 28,17). E o primeiro a realizar tal ideal é o próprio Deus (Sl 19,10; 89,15; 119,7). “Aquele que fixa o direito de toda a terra não seria capaz de violar o direito” (Gên 18,25).
   Já no Novo Testamento, a alusão ao direito e à justiça é uma reafirmação do que o Antigo Testamento estabelecia, aperfeiçoado pelo Evangelho. A norma áurea deste prescreve, com efeito: “Tudo que desejais os outros façam por vós, fazei-o vós mesmos por eles” (Mt 7,12). O mandamento próprio de Jesus é: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jô 13,34) Aí não há nada que esteja abolindo ou diminuindo a atenção ao direito de cada qual exigida pelo Antigo Testamento. O que há é uma inspiração nova, o apelo a identificar-se com o outro, uma preocupação de partilha e de comunhão até o sacrifício total. Só o amor, em última análise, fundamenta o direito.
  Sem se prender excessivamente à etimologia do termo direito, que deriva imediatamente do latim, directum, muito embora no Direito Romano o vocábulo utilizado para exprimir o direito era outro e atualmente, os filósofos e juristas atribuem ao termo “ius” latino uma dupla origem provável. Alguns crêem que esta palavra procede da raiz sânscrita “ju”, que expressa a idéia de vínculo ou união. Outros preferem faze-la derivar da forma indo-germânica “yos” ou “yaus”, com a significação de bom, santo, puro, pertencente à divindade, felicidade religiosa. Daqui a palavra “iurare” (=jurar). Segundo esta etimologia, o direito, “ius” significava a vontade divina. Mas o uso distinguiu entre lei e vontade divina (fas) e lei humana (ius).
  Na língua grega a idéia de direito (ius) se expressa com dois termos: (Zémis), que significa o direito divino (fas); e (Nómos), termo que designa a lei humana (lex). Ao passo que a idéia de justiça vem expressa com a palavra (dike), ou seja, com a significação de indicar, porque justiça em grego, como a termo direito, indica-se a direção ou linha reta que se devem seguir as ações humanas. A justiça adquire um conceito mais fundamental que o mesmo direito, ou seja, considera-se a justiça como a base do direito.
  A título de referência, a concepção católica do direito se baseia no direito natural e na lei eterna. Parte-se do pressuposto de que existe uma conexão e dependência que todo o direito tem da lei eterna e a conexão mais concreta com o direito positivo. Assim sendo, pode-se oferecer a seguinte conceituação geral e unitária do direito: “É a realização da justiça divina na conduta social humana, mediante um sistema de normas obrigatórias e coativas, geradoras de faculdades e deveres”. Tal definição contém todos os elementos do direito. Seu objeto e fim: a realização da vontade divina; sua causa eficiente: a norma jurídica (lei, costumes...). A causa formal: a faculdade moral adquirida pelo sujeito de direito.
  Acertadamente escreveu Renard: “O direito positivo é uma aproximação da justiça e do direito natural”. Também Giorgio Del Vecchio considera o direito como realização da justiça, quando afirma “que a justiça se reflete variadamente em todas as leis, mas sem se esgotar em nenhuma delas”, muito embora, entenda a justiça como paradigma e modelo ideal do direito positivo.
II – CANONISTAS E ESTUDIOSOS DO DIREITO
 Os canonistas e estudiosos do direito, em vez de uma definição genérica e unitária do direito, elaboraram conceito ou definições de cada uma das três formas ou elementos de um mesmo direito. Penso que interessa aqui ater-nos especificamente na significação objetiva do direito, que diz que é aquele que dá a cada um o que lhe pertence por título de justiça, seja comutativa, legal ou distributiva, como meio necessário ou condizente à realização do fim assinalado por Deus, que é, em definitivo, a salvação eterna. Portanto, em sentido objetivo o direito é aquele que cada um pode chamar seu. Neste sentido, a vida, a honra, a liberdade, inclusive a de trabalhar, são nossos direitos. Completando, direito em sentido objetivo, pode-se dizer, é todo aquilo que a cada um lhe pertence estritamente ou por título de justiça na ordem social, segundo o direito divino ou o direito humano, em conformidade com o divino. “Nihil est in temporali lege iustum, diz Santo Agostinho, quod lege aeterna non derivetur”. Isto é, não é válido o direito que não é justo, porque carece de seu próprio objeto e de força obrigatória.
  O direito deve ser racional e inviolável. São, como que, duas propriedades essenciais do direito. Racional porque, do contrário, o direito humano não seria conforme a natureza humana, cujas relações sociais deve dirigir. Como exprime Santo Tomás de Aquino, o Direito em geral, como a lei, é essencialmente “ordinatio rationis” (=ordenação da razão). Para que o direito seja racional, antes de tudo, deve ser justo e possível. Inviolável, porque requer de cada cidadão o respeito à jurisdição e comando da lei, elementos que atuam na disciplina da vida do indivíduo e da sociedade como um todo. Não é justo fazer justiça com as próprias mãos, se existe a lei para regular e disciplinar a vida pessoal e comunitária, recordando que a lei constituída é direito.
  O direito não consiste no fato consumado. O fato não é lei, mas que há de ser regulado pelo direito, a verdadeira norma. Do fato, juntamente com o direito objetivo ou causal, nasce o direito subjetivo. Tão pouco consiste o direito na força maior. A força coativa unicamente serve para garantir a obrigatoriedade do direito.
  Ao direito racional se opõe o arbitrário. Um mandato pode ser legítimo por sua origem e, por sua vez, arbitrário por seu conteúdo caprichoso, sem sujeição a nenhuma regra ou princípio.
 O direito deve ser inviolável. Primeiramente, porque impõe uma obrigação moral que necessariamente se deve cumprir. Nisto coincide a obrigação jurídica com a obrigação moral. Mas o direito goza de uma especial garantia externa de inviolabilidade, enquanto que o seu cumprimento se pode exigir pela força judicial ou a imposição de sanções que reparam o dano causado e previnem novas infrações.
  Ainda que se afirme que o direito é coativo, não existe uma sentença unânime sobre se a coação seja elemento essencial ou somente integrante do direito. Mas isto não nos convém debater aqui, por se tratar de tema ainda polêmico; penso deva ser deixado para debates e reflexão entre os doutrinadores e estudiosos do direito para ulterior conclusão, se for o caso.
III – O DIREITO NATURAL
 Ainda em nosso tempo existe quem questione acerca do direito natural ou da lei natural. Também esta questão não deve se constituir em debate nesta oportunidade, até porque, aqui não é esse nosso objetivo e nem tem como fórum para tanto.

 Mas o direito natural é definido por Santo Tomás de Aquino, como: “participatio legis aeternae in rationali creatura”. Pode-se dizer: trata-se da lei divina infundida na natureza e particularmente, na natureza humana. 
 Ou ainda, o conjunto de normas que procedem da vontade necessária de Deus e estão expressas na natureza humana acerca das exigências da natureza racional. Na realidade ou entitativamente, o direito não se diferencia da lei eterna, mas que a mesma lei eterna se denomina lei ou direito natural enquanto recebida no e pelo homem.  
  O direito natural tem suas notas essenciais: 1. Vontade divina e, 2.  Manifestação desta mesma vontade. Vontade divina que manda o que é exigido pela natureza humana e manifestação da vontade divina na mesma exigência intrínseca da natureza humana ou na necessária conformidade com ela. 
  Propriedades essenciais do direito natural são:
1. A moralidade intrínseca por razão de seu objeto: a unidade e a universalidade, porque é um mesmo para todos os homens sem exceção, até porque está fundamentado na natureza humana;
2. Perpetuidade, pela mesma razão; 
3. Cognocibilidade, acerca do supremo princípio que ensina e imutabilidade, ou seja, pode-se dar a mutabilidade impropriamente dita, que tem lugar quando não é a lei que muda, mas sua forma de aplicação.
  O direito existe, por certo, para regular as relações entre os seres humanos. E sabemos que a vida humana é, essencialmente, convivente; a existência humana é existência compartilhada, Mit - Dasein, coexistência e convivência, até porque, o homem que é pessoa, se constitui em e na relação com os demais, também porque está aberto ao outro, ideia que pode ser considerada patrimônio comum da filosofia atual.   
Assim, pode-se afirmar que o instinto agressivo como é não pode predominar e nem se converter no que chamamos de autêntica “convivência”, mas sim que deve predominar a força do direito sobre as consciências.
IV – AS COLEÇÕES
  No decorrer dos dez primeiros séculos, floresceram, em diversos lugares, numerosas coletâneas de leis eclesiásticas, quase sempre compiladas por iniciativa particular. Elas continham principalmente as normas emanadas dos Concílios e dos Romanos Pontífices, Os Papas, como também outras tiradas de fontes menores. Na metade do século XII, o acervo de coleções e normas, não raro contrárias entre si, novamente por iniciativa particular, foi organizado pelo monge Graciano, com o objetivo de estabelecer a concordância das leis e coleções. Essa concordância, denominada ulteriormente Decretum Gratiani, constituiu a primeira parte da grande coletânea de leis da Igreja que, a exemplo do “Corpus Júris Canonici” do Imperador Justiniano, foi chamada de “Corpus Júris Canonici” e continha as leis dadas durante quase dois séculos pela suprema autoridade dos Romanos Pontífices, com a ajuda de peritos em Direito Canônico, chamados glosadores. Esse Corpus, além do Decreto de Graciano, que continha as leis anteriores, consta do Líber Extra do Papa Gregório IX, do Líber VI do Papa Bonifácio VIII, das Clementinas, isto é, da coleção do Papa Clemente V, promulgada pelo Papa João XXII, acrescidos das Extravagantes deste Pontífice e das Extravagantes Communes, Decretais de vários Romanos Pontífices nunca reunidas em coleção autentica. O direito eclesiástico, contido nesse Corpus, constitui o direito eclesiástico clássico da Igreja Católica, sendo comumente assim chamado.
  As leis posteriores, principalmente as do tempo da reforma católica, dadas pelo Concílio de Trento (1545-1563) e promulgadas posteriormente por vários Dicastérios da Cúria Romana (esta tem várias repartições que ajudam os Papas no governo da Igreja Universal), nunca foram reunidas numa coletânea única. Esse o motivo, com o correr dos tempos, tornou a legislação paralela ao Corpus Júris Canonici, um “imenso acúmulo de leis sobrepostas umas às outras”. Não somente a desordem como a incerteza unida à inutilidade e lacunas de muitas dessas leis fizeram com que a própria disciplina da Igreja enfrentasse uma crise cada vez maior.
V – O CONCÍLIO VATICANO I E O CÓDIGO PIO-BENEDITINO
 Em vista disso, já na fase preparatória do Concílio Vaticano I (1869/1879), muitos Bispos solicitaram que se fizesse uma nova e única coleção de leis, a fim de se poder atender com maior certeza e segurança à cura pastoral do Povo de Deus. Como tal trabalho não pudesse ser realizado pelo Concílio, a Sé Apostólica, com nova ordenação das leis, atendeu em seguida somente às questões mais urgentes que atingiam mais de perto a disciplina. Afinal, o Papa Pio X (1904-1914), logo ao iniciar o seu Pontificado assumiu a tarefa, propondo-se coligir e reformar todas as leis eclesiásticas, determinou que o trabalho fosse levado a termo sob a coordenação do Cardeal Gasparri, homem dotado de grande saber jurídico e profundo conhecedor das leis canônicas.
VI – O MÉTODO CIENTÍFICO
  A primeira questão enfrentada foi de qual sistema de codificação seria usado e decidiram-se usar o sistema moderno, método científico. 
  Ciência se faz com abstração, dialética, universalismo, a unidade externa (universalidade do Ordenamento Canônico), a unidade interna (sua coerência), estruturação sistemática de tantos elementos acumulados e escassamente elaborados durante os onze primeiros séculos da Igreja. E foi o monge Graciano o criador da Ciência Canônica, por isso, chamado de Pai de Ciência Canônica.  
  Assim, os textos que continham preceitos, receberam nova e mais breve redação. Toda a matéria foi estruturada em 5 livros, imitando substancialmente o sistema das instituições do direito romano, com o esquema: sobre as pessoas, as coisas e as ações, como ainda encontramos fortes resquícios no Direito Pátrio. O trabalho foi concluído em 12 anos, com a colaboração de peritos, consultores e bispos de toda a Igreja. O proêmio do cânone 6 enuncia claramente a índole do novo Código: “ O Código mantém, as mais das vezes, a disciplina vigente até o momento, embora introduza oportunas modificações”. Não se tratava, pois, de criar novo direito, mas primordialmente, organizar, de forma nova, o direito até então vigente. Falecendo o Papa Pio X, essa coleção universal, exclusiva e autentica, foi promulgada por seu sucessor, o Papa Bento XV(Governou a Igreja de 1914-1920), a 27 de maio de 1917, entrando em vigor a 19 de maio de 1918.
  O direito universal do Código Pio - Beneditino foi bem aceito pelo consenso geral de todos. Ele contribuiu em muito para a promoção eficaz, em toda a Igreja, da pastoral que entrementes tomava novo impulso. Não obstante, tanto as condições externas da Igreja no mundo contemporâneo, sacudido em poucos decênios por transformações tão rápidas e mudanças profundas nos costumes, quanto as condições internas da comunidade eclesial em contínua evolução, fizeram com que, cada dia mais, se tornasse necessária e fosse solicitada nova reforma das leis canônicas. O Papa João XXIII percebera claramente esses sinais dos tempos. Com efeito, ao mesmo tempo em que dava a primeira notícia do Sínodo de Roma e do Concílio Ecumênico Vaticano II, a 25 de janeiro de 1959, anunciava que estes acontecimentos seriam necessariamente preparação de desejada renovação do Código.
VII – O CÓDIGO ATUAL
   A Comissão de revisão do Código de Direito Canônico foi constituída a 28 de março de 1963, quando já havia iniciado o Concílio Ecumênico Vaticano II. Mas os membros Cardeais reunidos chegaram à conclusão de que os trabalhos de revisão e renovação do Código só poderia começar ao término do Concilio. Assim, aproximando-se do fim o Concílio, já em presença do Papa Paulo VI, realizou-se uma sessão solene a 20 de novembro de 1965, quando se inaugurou publicamente os trabalhos de revisão do Código de Direito Canônico.
  O Papa Paulo VI (1963-1978) lançou os fundamentos de todo o trabalho, dizendo que o Direito Canônico promana da natureza da Igreja; que sua raiz repousa no poder de jurisdição conferido por Cristo à Igreja; que sua finalidade deve ser posta na cura das almas para alcançar a vida eterna. O Papa ilustrou a índole do direito da Igreja, defendeu sua necessidade contra as objeções mais comuns, acenou a história do desenvolvimento do direito e das coleções, e acima de tudo, ressaltou a urgente necessidade da nova revisão, para ajustar convenientemente a disciplina da Igreja às novas condições da realidade.
Muitos perguntam, por que a Igreja tem um Código de leis, um Ordenamento Jurídico?
   A Igreja Católica é uma realidade social, ainda que tal afirmação não esgote todo seu ser, onde há sociedade, há direito (Ubi societas, ibi ius). Eis aqui o fundamento do Direito Canônico. Trata-se de um Ordenamento Jurídico para uma sociedade bem organizada e estrutura com leis proprias.
   A Igreja católica é uma sociedade formada por pessoas humanas, uma universalidade de pessoas e coisas, particularmente, coisas espirituais, sobrenaturais. E a realidade humana é o espaço no qual se vive o existir histórico de cada pessoa. A existência histórica da pessoa humana é constituída de uma inumerável variedade de experiências e entre elas, torna-se relevante a experiência jurídica.  E sem querer fazer uma reflexão filosófica, mas, temos que admitir que como a existência é uma experiência humana constante, portanto, uma nova compreensão  do direito, que na sua articulação sistemática dos pressupostos, dos seus conteúdos, de seus objetivos, das suas implicações, configura-se como uma antropologia jurídica.
  Outros ainda perguntariam: Para uma sociedade humana com objetivos claros e tão somente espirituais, sobrenaturais, como o é a Igreja Católica, não bastariam os Evangelhos a regular e disciplinar a conduta e a vida de seus membros, discípulos e missionários de Cristo?
  Responde-se: Nos Evangelhos está contido todo acervo do direito divino, mas eles não obrigam, não exigem, não coagem. O Ser humano tem necessidade de leis disciplinadoras, reguladoras da conduta, leis positivizadas, seja do comportamento e das relações do ser humano com a divindade, seja do comportamento e das relações dos membros da sociedade chamada Igreja entre si. O direito divino contido nos Evangelhos precisa ser positivizado e porque são princípios genéricos que necessitam ser especificados por uma concretização, sem chegar ao individual, sirva à sociedade como norma geral de comportamento social. Eis a razão pela qual a Igreja hoje dispõe de um Ordenamento Jurídico próprio.
  O atual Código de Direito Canônico está sustentado sobre dois pilares que deveriam presidir todo o trabalho de reforma, como de fato, aconteceu: Em primeiro lugar, a fidelidade à tradição jurídica da Igreja, ou seja, o direito antigo. E segundo, as orientações emanadas pelo Concílio Ecumênico Vaticano II.
  O Código de Direito Canônico atual foi promulgado pelo Papa João Paulo II, aos 25 de janeiro de 1983, depois de uma longa revisão e aprimoramento de vinte (20) anos, adaptando-o aos tempos modernos e entrou em vigor no dia 28 de novembro do mesmo ano.
 O Código anterior compunha-se de cinco (05) livros e o atual de sete (07). São normas que possibilitam aos fiéis seguidores de Cristo na Igreja, para que vivam em constante fidelidade ao seu divino Fundador, o próprio Cristo e a Igreja cumpra sua missão salvífica, confiada por Ele, Nosso Senhor Jesus Cristo. Então veja-se:
 O Livro I: Normas Gerais.
 Este livro apresenta as disposições gerais, que dizem respeito, sobretudo, às fontes do direito e, inicialmente, os cânones preliminares 1-7, dizem respeito à extensão e ao valor da legislação.
 Em seguida, as leis eclesiásticas comuns, normas sobre os costumes, decretos emanados pela autoridade eclesiástica, os atos administrativos singulares, normas gerais sobre estatutos e regulamentos, normas sobre os atos jurídicos, normas sobre o poder de governo na Igreja, sobre os ofícios eclesiásticos, normas sobre prescrição e sobre o cômputo do tempo.
O Livro II: Sobre o Povo de Deus, em três partes.
  I - Trata-se nada mais que do Estatuto Jurídico do Povo de Deus, direitos e obrigações de todos os fiéis cristãos, direitos e obrigações dos fiéis leigos, direitos e obrigações dos clérigos, normas sobre as dioceses pessoais, ao contrário das dioceses territoriais, normas sobre as associações de fiéis;
 II - Normas sobre a constituição hierárquica da Igreja e sobre a suprema autoridade na Igreja, normas sobre as dioceses e as conferências episcopais (dos Bispos); 
III - Normas sobre os institutos de vida consagrada, sociedades de vida apostólica, institutos seculares.
O Livro III – A função de ensinar na Igreja.
 Normas sobre o ministério da palavra divina, sobre a atividade missionária, sobre a educação católica, sobre os meios de comunicação social e especialmente os livros e, por fim, normas sobre a profissão de fé.
O Livro IV – Sobre a função de santificar da Igreja (Sacramentos e outros atos do culto divino), em três Partes.
 I - Normas sobre o Batismo, Crisma, Eucaristia, Penitência, Unção dos Enfermos, Ordem e Matrimônio;
II – Normas sobre os demais Atos do Culto Divino;
III – Normas sobre os lugares e tempos sagrados.

 O Livro V – Sobre os bens temporais da Igreja.
 Normas sobre a aquisição dos bens temporais, sobre a administração dos mesmos, sobre os contratos e principalmente sobre a alienação dos bens temporais; normas sobre as vontades pias e as fundações pias.
 O Livro VI – Sobre as sanções na Igreja, em duas partes.
   I – Normas sobre os delitos e penas em geral; normas sobre os castigos dos delitos em geral, normas sobre a lei penal e os preceitos penais, normas sobre o sujeito passivo das sanções penais, sobre aplicação destas e sobre sua cessação.
  II – Normas sobre penas para cada um dos delitos; delitos contra a religião e a unidade da igreja, delitos contra as autoridades da Igreja e sobre delitos contra a liberdade da Igreja; normas sobre a usurpação das funções eclesiásticas e sobre os delitos no exercício das mesmas; normas sobre o crime de falsidade e sobre delitos contra as obrigações especiais; normas sobre os delitos contra a vida e a liberdade do ser humano e normas gerais sobre todos os retro mencionados delitos.
O Livro VII – Sobre os processos, em cinco (05) partes.
 I – Normas sobre os juízos em geral;
 II – Normas sobre o juízo contencioso Ordinário: Introdução, contestação, instância judicial, causas incidentais, publicação, conclusão e discussão da causa, pronunciamento do juiz, impugnação da sentença, coisa julgada e restituição ‘in intergrum’, custas judiciais e patrocínio gratuito, execução da sentença. Normas sobre o processo contencioso oral (na verdade, um processo sumário).
 III – Sobre alguns processos especiais.
  Normas sobre o processo para declaração de nulidade de matrimônio; causas para declaração da nulidade da ordenação sacerdotal e sobre os modos de evitar os juízos.
 IV – Sobre o processo penal;
 Normas sobre a investigação prévia, desenvolvimento do processo e sobre a ação para ressarcimento de danos.
 V – Normas sobre o procedimento nos recursos administrativos e na remoção e translado de Párocos; recursos contra os decretos administrativos e o procedimento para a remoção e translado de Párocos.
FINALIZANDO
  Além de todo este aparato normativo, devem-se destacar as normas complementares emanadas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que foram aprovadas pela Suprema Autoridade da Igreja e se tornaram normas obrigatórias.
   As normas sobre a Beatificação e Canonização dos Santos são extracodiciais e tidas como uma legislação especial, até porque, não se trata de um verdadeiro processo, até porque, nele não existe a litiscontestação e, portanto, desfigurado como um processo no sentido do termo, mas composto de procedimentos bem definidos, com uma fase diocesana e posterior fase junto da Sé Apostólica. Sé Apostólica compõe-se da pessoa do Papa e dos diversos organismos da Cúria Romana que auxiliam o Papa no governo da Igreja no mundo inteiro.
   Termino, primeiro dizendo que tudo isso tem como objetivo aquilo que se encontra no último cânone do Código de Direito Canônico, o cânone 1752: “... A salvação das almas é a lei suprema da Igreja...”.
 
  Por fim, um inusitado fato da história do Reino de França. A Princesa Luíza, filha de Luiz XV, Rei de França, que educou muito bem e cristãmente seus numerosos filhos, maltratava muito sua camareira e um dia chegou até dar-lhe uma tapa no rosto. A moça que suportava tudo com humildade, desta vez resolveu reagir e disse à Princesa: “Vossa Alteza não devia ter feito isto! Não fica bem para uma Princesa e muito menos para uma cristã”. “Olhe com quem está falando”, respondeu-lhe Luiza, “Quem é você para me responder? Sou filha do seu Rei, está ouvindo?” E eu sou filha do Seu Deus, Alteza, não se esqueça!”, respondeu a camareira. 
No dia seguinte, Luiza chamou sua camareira, que atendeu ao chamado com medo de complicações sérias pelo que disser
“Estive conversando com meu pai... disse a princesa. A partir deste dia você passa de simples camareira a uma das damas da corte... Mas só isto não basta, quero ainda que me perdoe”.
João Graciano e sua Obra como estudioso do Direito.
a) Contexto Histórico: Na Igreja sempre houve leis. Os séc. XI e XII caracterizam-se como uma época de muitas e grandes transformações na história e na própria constituição da Igreja Católica. O fato mais importante foi a Reforma Gregoriana como esforço da Igreja para reassumir o poder sagrado, usurpado em parte, pelo poder civil (Luta das investiduras = posse de algum cargo) e para coibir a simonia e o concubinato dos clérigos, e assim restaurar a disciplina eclesiástica. Essa Reforma, cujo início se deve à ação do papa Leão IX, foi continuada por Nicolau II e teve o seu ponto culminante no pontificado de São Gregório VII (1085).
  Com a força de santidade e firme coragem, Gregório VII conseguiu dobrar a prepotência de Henrique IV e iniciou-se assim a recuperação do poder sagrado que, abusivamente, era exercido pelos príncipes temporais. É verdade que tal luta só foi, em parte vencida no ano de 1122, pela concordata de Worms, ratificada (confirmada) pelo Conc. Lateranense III, sob a autoridade do papa Calixto II, no ano de 1123. Em conseqüência dessa situação toda, emerge o papa, como autoridade suprema da Igreja, independente das influências políticas do Imperador.
  Com a Reforma Gregoriana a Igreja consegue a sua liberdade, sua independência dos poderes seculares e, inclusive, a supremacia sobre eles, o que lhe permite agir em todos os reinos da cristandade medieval, especialmente para promover a reforma e incentivar as Cruzadas. Isto constituía o papado, não só como árbitro supremo dentro da cristandade medieval, mas como o mais autorizado porta-voz diante dos poderes estranhos ao catolicismo romano, tais como Bizâncio e o Islam. É esse o momento áureo do cristianismo medieval. Período rico de grandes desenvolvimentos nas artes, na cultura, na política, na teologia, no direito etc. Surge então a especulação teológica a que se dá o nome de Escolástica, com as sentenças de Pedro Lombardo. É, nesse contexto, que nascem Graciano e sua obra monumental chamada “Decretum Gratiani”.
b) O Homem, o Autor: João Graciano era um monge camaldulense, do qual até hoje se ignoram o lugar e a data do seu nascimento e morte. Há suposição de que tenha sido professor no Mosteiro de São Félix e São Nabor, em Bolonha. Talvez tenha falecido antes do Conc. Lateranense III (1179).
  Segundo uma lenda mencionada por Van Hove, Graciano, pai da Ciência Canônica; Pedro Lombardo, pai da Teologia Escolástica, e Pedro Comilão (sic!), pai da História Eclesiástica, eram irmãos uterinos, gerados de um adultério. Diz a lenda ainda que Graciano tenha habitado no Mosteiro de São Próculo, dos monges beneditinos em Bolonha e que tenha sido sagrado bispo. Esse homem cujas origens e vida são obscuras, foi autor de uma obra extraordinária, sob a qual faremos alguns comentários.
c) A Obra de Graciano: É conhecida como “Decretum”, chamada de “Decretum Gratiani”. O seu conteúdo veio de diversas fontes. Aí encontramos matérias jurídicas, moral, dogmática, patrística, escriturística etc. Graciano serviu-se de textos dos Santos Padres e escritos eclesiásticos: de fragmentos do direito romano, da lei dos visigodos, dos bárbaros, das capitulares dos reis francos, das constituições dos Imperadores germânicos etc. De toda essa ceara jurídica, acumulada em mais de milênio, Graciano recolheu cerca de dez mil textos, que após duro trabalho de seleção, reduziram-se a 3.900.
d) Conclusão: Graciano e seu Decreto são frutos maduros de uma longa caminhada. Pelo método que usou, o seu Decreto é verdadeiramente um tratado científico. Começa com ele um novo período do Direito Canônico, novo em muitos aspectos, principalmente se o comparamos com o primeiro milênio do cristianismo, no qual imperam o impirismo, o particularismo e a dispersão. Com Graciano entramos no período clássico do Direito Canônico, no qual impera a abstração, a dialética, o universalismo, a unidade externa (universalidade do Ordenamento Canônico), a unidade interna (sua coerência), a estruturação sistemática de tantos elementos acumulados e escassamente elaborados durante os onze primeiros séculos da Igreja. O “Decretum Gratiani”, com que se inicia a idade clássica do Direito Canônico (1140) representa a síntese superadora dos textos canônicos do primeiro milênio e é o ponto de partida do trabalho científico pelo qual, com razão, se dá a Graciano o título de o pai da Ciência Canônica. Antes de Graciano existia Direito Canônico. Com Graciano começa a Ciência do Direito Canônico. As demais coleções do primeiro milênio passam a ser objeto de história. O trabalho de Graciano é comparado ao trabalho, também pioneiro, de Pedro Lombardo, em relação à Teologia Escolástica.
  Como Coleção privada, nascida para uso nas escolas e nos Tribunais, o Decreto de Graciano não goza de nenhuma autoridade legal. Nem sequer recebeu essa autoridade quer do papa, quer do Direito Consuetudinário. Os textos que Graciano cita conservam seu valor, que deve ser considerado, segundo a autoridade e importância que tinham, cada um separadamente, sem adquirir nova forma legal pelo fato de se encontrarem no Decreto. Todavia, embora sem aprovação oficial, o Decreto, que foi usado por longo tempo, como texto básico para o ensino do Direito Canônico nas escolas, adquiriu um grande peso, “ex autoritate docentis”.
 Embora sendo uma coleção privada, o Decreto de Graciano faz parte do “Corpus Iuris Canonicis”, o conjunto de leis que, durante séculos, vigorou na Igreja e que ainda hoje, após as duas codificações canônicas (1917 e 1983) continua a ser fonte preciosa para o estudo e conhecimento do Direito e das Instituições da Igreja Católica.

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