Tradutor

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

A FALTA DE LIBERDADE INTERNA

            A liberdade ou a falta de liberdade oferecem, além de algumas projeções da liberdade externa, outra projeção mais profunda e radical, mais próxima das raízes e essência da liberdade, a liberdade interna, ou ao contrário, a falta de liberdade interna, “enquanto que em nosso querer e atuação não estamos determinados, nem sequer a partir de dentro, pelo próprio ser” (cfr. E. Coreth, Qué es el hombre? Esquema de una antropologia filosófica (Barcelona, 1976) p. 136).
            Para se falar de liberdade, não basta falar de ausência de coações e violências provenientes de fora, de causa externa, “... só serei livre se não estiver determinado por uma necessidade interna de meu próprio ser, de minhas disposições e impulsos, mas que posso e devo decidir-me para atuar deste ou de outro modo” (cfr. E. Coreth, ob. Cit. P. 139: “La liberdad de elección em este sentido se expone a menudo como uma liberdad de especificación (libertas specificationis); es decir, como uma faculdad de actuar de ésta o de la otra forma, de elegir ésta ou aquélla possibilidad y de determinar por si mismo el acto. También se denomina de liberdad de ejecución (libertas exercitii), o sea, la faculdad de poner ou no poner um acto determinado”).

Condicionamentos da vontade e a diminuição da liberdade.

            O ser humano é um ser histórico e concreto; um ser situado em uma “circunstância”. Por isso, cabe pensar que a dialética entre liberdade e determinismo não seja só patrimônio de certos atos excepcionais da vida humana, mas algo inerente a todo ato humano (cfr. L. Monden. Consciencia, libre albedrio, pecado (Barcelona 1968) p. 32).
            Notório doutrinador apresenta três tipos de influência que podem marcar uma limitação na liberdade: 1. Influxos de caráter biológico, 2. Influxos de caráter social, 3. Influxos de caráter psicológico.

            1. É claro que sobre o ato humano e sua espontaneidade e liberdade incidem fatores de tipo físico-biológico. Aí está o fato da herança com seu cúmulo de contribuições no terreno vivencial de todo ser humano: qualidades e defeitos, caráter, taras; anomalias; enfermidades, predisposições, inclusive perversões. Aí está o fato da manipulação exercida artificialmente sobre a pessoa, seu cérebro e sua vida, usada pelo progresso da ciência. Aí está este fato cainita da opressão exercida pelo homem sobre os outros homens de mil maneiras, sem esquecer as ações sobre o espírito por meio da droga e de outros produtos tóxicos ou narcóticos.
            Com tudo isso, constata-se a vulnerabilidade da consciência e da liberdade nas pessoas por todo este tipo de condicionamentos físicos, que podem fazer chegar à perda aguda de liberdade ou discernimento, a demenciações, letargias, etc... Faz-se, com isso, patente um perigo de robotização humana, como aponta o já citado doutrinador.

            2. É assim mesmo clara a presença fortemente redutora da liberdade através da pressão social e ambiental, devida, sobretudo pelo influxo dos grupos de pressão e dos ‘mas media’ com sua seqüela de despersonalização humana. Com isso se comprova que uma boa parcela da humanidade “se revela incapaz de um pensamento e de uma decisão verdadeiramente autônoma (cfr. L. Monden, ob. cit., p. 35). E não se pode esquecer o terreno das relações interpessoais – laboral, de amizade e, sobretudo, familiares -, donde emergem para a pessoa fortes condicionamentos de tipo social.

            3. Mas, além de todos os campos de pressão, não se pode esquecer também o próprio psiquismo como fonte limitadora do voluntário e da liberdade. Aí estão as perturbações do psiquismo polarizando enfoques unilaterais e vinculantes para a pessoa em seu agir; alterações com prejuízos importantes para a maturação do sujeito e que impõem reações infantis na conduta; complexos que podem levar a exercer sobre a vontade livre uma eficácia tão infantil como a ação de uma droga ou de uma lesão cerebral (cfr. L. Monden. ob. cit., p.40); personalidades neuróticas ou também não neuróticas mas expostas a todo um conjunto de fatores inibidores ou neurotizantes ou impulsores que criam obsessões, fobias, automatismos, inquietudes, sugestionabilidade, frustração, reflexos de angustia ou de agressividade e cuja ação inconsciente contaminará a ação adulta, fazendo decair responsabilidades, racionalidades e autodeterminações (cfr. L. Monden. ob. cit., p.40).
            Tais considerações não podem levar, sem dúvida, a conclusões excessivamente pessimistas e, sobretudo generalizadoras.
            É certo que por liberdade entendemos capacidade e possibilidade de eleição livre. É certo que o ser humano, e não só os enfermos psíquicos, podem não ser livres e de fato não são todos livres como queriam ou deveriam.
            Isto não obsta, sem dúvida, para externar as posições e alegar um determinismo que não corresponde com a realidade do comportamento humano e até com a consciência da liberdade pessoal.
            Está o ser humano condicionado: nem tão pouco que se possa cair na utopia de um canto de liberdade total, mas nem tanto de se negar a liberdade.
            O homem é livre da lei ordinária, apesar de alguns destes condicionamentos aludidos, que se põem, sobretudo de manifesto nas decisões mais triviais da vida.
            Há que buscar-se a liberdade, sobretudo nas opções fundamentais, pelas quais entende-se que comprometem a pessoa em seu ser e sobretudo em seu devir futuro e que implicam entrega ou negativa profunda e até incondicional da pessoa inteira.
            Estes tipos de opções serão verdadeiras decisões se, enquanto e porque fundem suas raízes no mais profundo do ser e mostram coerência com o sentido geral da própria condição e da própria existência. A decisão deverá assumir e assimilar todos os determinismos condicionadores e lograr manter-se sobre eles com tal decisão. Somente quanto não se lograr assumi-los e superá-los, essa decisão ficará no plano de uma verdadeira falta de liberdade interna, seja qual for a causa dessa situação: patológica ou não patológica, habitual ou ocasional.
            Todas estas idéias podem perfeitamente aplicar-se às decisões, opções e eleições que se produzem no estado matrimonial.
            Vê-se, então, que a falta de liberdade interna se constitui dentro do Código de Direito Canonico, no cânone 1095, 2, em verdadeiro motivo de nulidade de matrimônio, entretanto, não como capítulo autônomo, mas dentro do contexto do referido cânone.
            A falta de liberdade interna deve vir referida ineludivelmente ou por condicionamentos interiores derivados diretamente da própria condição do ‘eu’ ou de condicionamentos conexos com as circunstâncias do próprio ‘eu’ e que ele recolhe e sobre ele incidem sem uma atuação exterior livre. Em ambos os casos é a partir de dentro do próprio sujeito onde se reduz o campo da autonomia e da liberdade.
            Então, a falta de liberdade interna implica em:
1. A pessoa é condiciona de tal maneira que intrinsecamente não é livre para escolher ou autodeterminar-se;
2. Quando a pessoa não é realmente dona de seus próprios atos, porque não é livre para autodeterminar-se num sentido ou noutro;
3. A afirmação de falta de liberdade interna deve ser provada;
4. Deve a falta de liberdade interna se referir ao matrimônio e se a há deve entendê-la como falta de liberdade interna necessária para o matrimônio e para o consentimento matrimonial;
5. Deve-se levar em conta que se requer maior liberdade para o matrimônio que para incorrer na responsabilidade por falta ou pecado grave; maior liberdade para relação normal; maior liberdade que para vida contratual normal;
6. Deverá normalmente derivar de condicionamentos de tipo patológico que ao defeito da falta de liberdade interna;
7. Pode derivar também de circunstâncias transitórias e ocasionais que ofuscam a pessoa e a priva de liberdade para contrair;
8. A liberdade exigida para contrair livremente matrimônio é a psicológica, ou seja, isenção de quaisquer obsessões, influências, circunstâncias, pressões, ilusões...

No mesmo sentido, argumenta Paolo Bianchi, “... o consentimento, sob um prisma subjetivo, deve ser encarado como um ato da vontade. Tal faculdade, própria unicamente da pessoa, pressupõe a inteligência e torna efetiva a liberdade. Esta, de fato, só se pode concretizar em presença de um ato que seja “humano” – quer dizer, que se possa reconhecer como próprio da pessoa e de sua [natureza] imputável, por estar assentado sobre a base de uma compreensão - ao menos suficiente – de seu significado e de uma – também ao menos suficiente – liberdade de exercê-lo”.


          Continua o citado autor, “... É necessário não esquecer que a liberdade do homem é uma liberdade “histórica”, isto é, não absoluta ou desvinculada de todo condicionamento. Ao contrário, a visão cristã do homem, também inserida nessa historicidade da liberdade, sempre reconheceu e afirmou uma substancial possibilidade de liberdade para a pessoa. A liberdade é uma função própria à inteligência e ao desejo, ou seja, à capacidade de responsabilidade moral. Por isso, para que o consentimento matrimonial seja um ato psicológico – intrinsecamente suficiente, ele deverá basear-se, da parte da pessoa que o presta, em uma substancial disponibilidade e funcionalidade das faculdades da inteligência e da vontade devidamente conjugadas na complexa operação que é a decisão humana...” (cfr. BIACHI, Paolo. Quando o matrimônio é nulo? São Paulo: Paulinas, 2003, 340p.).

Nenhum comentário:

Postar um comentário