A FALTA DE LIBERDADE INTERNA
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Para se falar de liberdade, não
basta falar de ausência de coações e violências provenientes de fora, de causa
externa, “... só serei livre se não estiver determinado por uma necessidade
interna de meu próprio ser, de minhas disposições e impulsos, mas que posso e
devo decidir-me para atuar deste ou de outro modo” (cfr. E. Coreth, ob. Cit. P. 139: “La liberdad de elección em este
sentido se expone a menudo como uma liberdad de especificación (libertas
specificationis); es decir, como uma faculdad de actuar de ésta o de la otra
forma, de elegir ésta ou aquélla possibilidad y de determinar por si mismo el acto.
También se denomina de liberdad de ejecución (libertas exercitii), o sea, la
faculdad de poner ou no poner um acto determinado”).
Condicionamentos da vontade e a diminuição
da liberdade.
O ser humano é um ser histórico e concreto; um ser
situado em uma “circunstância”. Por isso, cabe pensar que a dialética entre
liberdade e determinismo não seja só patrimônio de certos atos excepcionais da
vida humana, mas algo inerente a todo ato humano (cfr. L. Monden. Consciencia, libre
albedrio, pecado (Barcelona 1968) p. 32).
Notório doutrinador apresenta três
tipos de influência que podem marcar uma limitação na liberdade: 1. Influxos de
caráter biológico, 2. Influxos de caráter social, 3. Influxos de caráter
psicológico.
1. É claro que sobre o ato humano e
sua espontaneidade e liberdade incidem fatores de tipo físico-biológico. Aí
está o fato da herança com seu cúmulo de contribuições no terreno vivencial de
todo ser humano: qualidades e defeitos, caráter, taras; anomalias;
enfermidades, predisposições, inclusive perversões. Aí está o fato da
manipulação exercida artificialmente sobre a pessoa, seu cérebro e sua vida,
usada pelo progresso da ciência. Aí está este fato cainita da opressão exercida
pelo homem sobre os outros homens de mil maneiras, sem esquecer as ações sobre
o espírito por meio da droga e de outros produtos tóxicos ou narcóticos.
Com tudo isso, constata-se a
vulnerabilidade da consciência e da liberdade nas pessoas por todo este tipo de
condicionamentos físicos, que podem fazer chegar à perda aguda de liberdade ou
discernimento, a demenciações, letargias, etc... Faz-se, com isso, patente um
perigo de robotização humana, como aponta o já citado doutrinador.
2. É assim mesmo clara a presença
fortemente redutora da liberdade através da pressão social e ambiental, devida,
sobretudo pelo influxo dos grupos de pressão e dos ‘mas media’ com sua seqüela
de despersonalização humana. Com isso se comprova que uma boa parcela da
humanidade “se revela incapaz de um pensamento e de uma decisão verdadeiramente
autônoma (cfr. L. Monden, ob. cit., p. 35).
E não se pode esquecer o terreno das relações interpessoais – laboral, de
amizade e, sobretudo, familiares -, donde emergem para a pessoa fortes
condicionamentos de tipo social.
3.
Mas, além de todos os campos de pressão, não se pode esquecer também o próprio
psiquismo como fonte limitadora do voluntário e da liberdade. Aí estão as
perturbações do psiquismo polarizando enfoques unilaterais e vinculantes para a
pessoa em seu agir; alterações com prejuízos importantes para a maturação do
sujeito e que impõem reações infantis na conduta; complexos que podem levar a
exercer sobre a vontade livre uma eficácia tão infantil como a ação de uma
droga ou de uma lesão cerebral (cfr. L. Monden. ob. cit., p.40); personalidades neuróticas ou também não neuróticas
mas expostas a todo um conjunto de fatores inibidores ou neurotizantes ou
impulsores que criam obsessões, fobias, automatismos, inquietudes,
sugestionabilidade, frustração, reflexos de angustia ou de agressividade e cuja
ação inconsciente contaminará a ação adulta, fazendo decair responsabilidades,
racionalidades e autodeterminações (cfr. L. Monden.
ob. cit., p.40).
Tais
considerações não podem levar, sem dúvida, a conclusões excessivamente
pessimistas e, sobretudo generalizadoras.
É
certo que por liberdade entendemos capacidade e possibilidade de eleição livre.
É certo que o ser humano, e não só os enfermos psíquicos, podem não ser livres
e de fato não são todos livres como queriam ou deveriam.
Isto
não obsta, sem dúvida, para externar as posições e alegar um determinismo que
não corresponde com a realidade do comportamento humano e até com a consciência
da liberdade pessoal.
Está
o ser humano condicionado: nem tão pouco que se possa cair na utopia de um
canto de liberdade total, mas nem tanto de se negar a liberdade.
O
homem é livre da lei ordinária, apesar de alguns destes condicionamentos
aludidos, que se põem, sobretudo de manifesto nas decisões mais triviais da
vida.
Há que
buscar-se a liberdade, sobretudo nas opções fundamentais, pelas quais
entende-se que comprometem a pessoa em seu ser e sobretudo em seu devir futuro
e que implicam entrega ou negativa profunda e até incondicional da pessoa
inteira.
Estes
tipos de opções serão verdadeiras decisões se, enquanto e porque fundem suas
raízes no mais profundo do ser e mostram coerência com o sentido geral da
própria condição e da própria existência. A decisão deverá assumir e assimilar
todos os determinismos condicionadores e lograr manter-se sobre eles com tal
decisão. Somente quanto não se lograr assumi-los e superá-los, essa decisão
ficará no plano de uma verdadeira falta de liberdade interna, seja qual for a
causa dessa situação: patológica ou não patológica, habitual ou ocasional.
Todas
estas idéias podem perfeitamente aplicar-se às decisões, opções e eleições que
se produzem no estado matrimonial.
Vê-se,
então, que a falta de liberdade interna se constitui dentro do Código de
Direito Canonico, no cânone 1095, 2, em verdadeiro motivo de nulidade de
matrimônio, entretanto, não como capítulo autônomo, mas dentro do contexto do
referido cânone.
A
falta de liberdade interna deve vir referida ineludivelmente ou por condicionamentos
interiores derivados diretamente da própria condição do ‘eu’ ou de
condicionamentos conexos com as circunstâncias do próprio ‘eu’ e que ele
recolhe e sobre ele incidem sem uma atuação exterior livre. Em ambos os casos é
a partir de dentro do próprio sujeito onde se reduz o campo da autonomia e da
liberdade.
Então, a falta de liberdade interna
implica em:
2. Quando a pessoa não é realmente dona
de seus próprios atos, porque não é livre para autodeterminar-se num sentido ou
noutro;
4. Deve a falta de liberdade interna se
referir ao matrimônio e se a há deve entendê-la como falta de liberdade interna
necessária para o matrimônio e para o consentimento matrimonial;
5. Deve-se levar em conta que se requer
maior liberdade para o matrimônio que para incorrer na responsabilidade por
falta ou pecado grave; maior liberdade para relação normal; maior liberdade que
para vida contratual normal;
6. Deverá normalmente derivar de
condicionamentos de tipo patológico que ao defeito da falta de liberdade
interna;
7. Pode derivar também de circunstâncias
transitórias e ocasionais que ofuscam a pessoa e a priva de liberdade para
contrair;
No mesmo sentido, argumenta Paolo Bianchi, “... o consentimento, sob um prisma subjetivo, deve ser encarado como um ato da vontade. Tal faculdade, própria unicamente da pessoa, pressupõe a inteligência e torna efetiva a liberdade. Esta, de fato, só se pode concretizar em presença de um ato que seja “humano” – quer dizer, que se possa reconhecer como próprio da pessoa e de sua [natureza] imputável, por estar assentado sobre a base de uma compreensão - ao menos suficiente – de seu significado e de uma – também ao menos suficiente – liberdade de exercê-lo”.
Continua
o citado autor, “... É necessário não esquecer que a liberdade do homem é uma
liberdade “histórica”, isto é, não absoluta ou desvinculada de todo
condicionamento. Ao contrário, a visão cristã do homem, também inserida nessa
historicidade da liberdade, sempre reconheceu e afirmou uma substancial
possibilidade de liberdade para a pessoa. A liberdade é uma função própria à
inteligência e ao desejo, ou seja, à capacidade de responsabilidade moral. Por
isso, para que o consentimento matrimonial seja um ato psicológico –
intrinsecamente suficiente, ele deverá basear-se, da parte da pessoa que o
presta, em uma substancial disponibilidade e funcionalidade das faculdades da
inteligência e da vontade devidamente conjugadas na complexa operação que é a
decisão humana...” (cfr. BIACHI, Paolo.
Quando o matrimônio é nulo? São Paulo: Paulinas, 2003, 340p.).
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