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terça-feira, 20 de junho de 2017

O MEDO PERDIDO

“Eu não sou bastante bonita para ele! Tal era o pensamento de Eugênia, pensamento humilde e fértil em sofrimentos. A pobre moça não fazia justiça a si mesma, mas a modéstia, ou antes, o medo, é uma das primeiras virtudes do amor”[1].  Assim descreve Honoré de Balzac, o grande romancista francês dos primórdios da belle epoqué, em Eugênia Grandet. Contrapõe ele a baixa autoestima aos sonhos românticos iniciais da protagonista em relação ao primo Carlos Grandet.
Nos relacionamentos amorosos iniciais, infalivelmente, o medo deve surgir como grande virtude de amor descoberto. Pena que, depois, readquirida a autoestima, esvaem-se os sonhos românticos, perde-se o medo, a grande das primeiras virtudes do amor. E aí, a vida a dois parece não ter mais sentido. A perda da modéstia, ou melhor, do medo, isto é, daquele sentimento romântico, daquela sensação agradável do convívio da intimidade, que só os dois conhecem, e Deus, acaba por tornar a vida sem sabor, porque o amor parece não mais existir.
            Quem está no princípio de um amor e que tem o medo como uma das primeiras virtudes, certamente, deverá tomar cuidados, ser constante no zelo para com o ser amado e para conservar o mecanismo desse medo.
            E quem já o perdeu? Terá possibilidade, chances de recuperá-lo?
            Muita gente desperta, obviamente, perguntará: Medo? Sim, uma sensação ou sentimento de ameaça à própria integridade física ou moral. Mas, direi que é mais do que isso. É a sensação ou sentimento misterioso do romance sumamente emocional que invade o coração, este dispara, envolve o ser e o íntimo inteiro de quem ama ou está amando, com sonhos eternos e ternos, quase a determinar que no mundo nada mais existe e só há o ser amado. Interminável romance praticamente inexplicável, entendido somente em parte por quem o vive e incompreensível por quem nunca o viveu.
            Muito embora no estágio atual da civilização moderna, com uma mentalidade ocidentalizada, do pragmatismo, isto é, vale somente aquilo que é útil, agradável e oferece praticidade imediata para o uso, e quem sabe o abuso, o amor assume importância capital e fundamental: porque nenhuma entidade existe que o possa substituir. Impossível viver sem este amor, contido por uma dose forte de respeito para com o outro, por uma quantidade enorme de desejo, puro desejo de partilhar a vida e da vida do outro, por qualidade nunca igualada de sensações puras e sentimentos nobres.
            Impressionante como as pessoas esquecem tantas coisas e tantos fatos passados. Mais impressionante ainda, esquecem ou abandonam aquele medo, virtude número um do amor, que os levou a uma vida conjugal e que o medo perdido não lhes permite mais as alegres surpresas que a conjugalidade lhes pode proporcionar no cotidiano.
            Quem ainda não viveu a experiência do medo como uma das primeiras virtudes do amor, se lhe requererá atenção e cautela para não passar por eles em percebê-lo. E quem o perdeu, poderá reencontrá-lo ou readquiri-lo, fazendo uma experiência em duas fases: um sério exame de consciência, para recordar como funciona sua sistemática e dinâmica, e se enamorar novamente do ser amado, que outrora amou sem restrições ou condições.
            Lembrar-se sempre das sábias palavras do Criador no “crescei e multiplicai-vos” que, com certeza, inclui o amor, que é constante, que conhece fracassos e sucessos, mas sempre amor. Se ainda seu coração dispara e a emoção envolve seu inteiro íntimo, bom sinal. Voltou a viver um romance em sua vida, interrompido pela perda do medo, uma das primeiras virtudes do amor. Eis, pois!




[1] Honoré de Balzac (Tours, 20 de maio de 1799 — Paris, 18 de agosto de 1850) foi um romancista francês. Nasceu no departamento francês de Indre-et-Loire e em 1849, com a saúde debilitada, viajou para a Polônia para visitar Eveline Hanska, uma rica dama polaca com quem manteve correspondência por mais de 15 anos. Em 1850, três meses antes da morte de Balzac, eles casaram-se. Tendo-se tornado num dos maiores nomes do realismo na literatura, as suas obras são, no entanto, cunhadas sobre a tradição literária do romantismo francês. Sua A Comédia Humana (La ComédieHumaine), que reúne oitenta e oito obras, procura retratar a realidade da vida burguesa da França na sua época. Os hábitos de trabalho de Balzac tornaram-se lendários - escrever cerca de quinze horas por dia, impulsionado por um sem-número de chávenas de café. Com uma produção volumosa, é frequente que se apontem pequenas imperfeições em sua obra - o que, no entanto, não é suficiente para retirar de muitas delas o epíteto de obras-primas.

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